Imagem de capa: Christopher Carson
“A strange Christmas Game” foi publicado pela primeira vez em 1868 no periódico Broadway Annual, sob o pseudônimo J.H Riddell.
Quando eu, John Lester, herdei a residência Martingdale, por ocasião da morte de um parente distante, seria impossível encontrar um par de pessoas mais felizes em toda a Inglaterra do que eu e minha única irmã Clare.
Não éramos totalmente hipócritas a ponto de sentir tristeza pela perda de nosso parente, Paul Lester, um homem que nunca tínhamos visto, de cujas mãos nunca tínhamos recebido um único benefício, de quem mal tínhamos ouvido falar, e o pouco que ouvimos era desfavorável. Um homem, em suma, tão estranho para nós quanto o primeiro-ministro, o imperador da Rússia ou qualquer outro ser humano inteiramente alheio à nossa esfera extremamente humilde de vida.
Sua perda foi certamente nosso ganho. Sua morte não representou para nós uma triste separação de alguém há muito amado e altamente honrado, mas sim a aquisição de terras, casas, respeito e riqueza em meu nome- John Lester, senhor de Martingdale, Bedfordshire, anteriormente conhecido como John Lester, artista e inquilino no segundo andar do número 32 da rua Great Smith, em Bloomsbury.
Não que Martingdale fosse uma grande propriedade se comparada com outras residências rurais. Os Lesters que haviam se sucedido naquele domínio um depois do outro ao longo de algumas centenas de anos, não podiam por nenhum trato de cortesia ser chamados de homens prudentes. Em relação à sua posteridade eles foram, na verdade, raramente honestos. Perderam a posse de feudos e fazendas devido a querelas comuns e processos, de forma ao mesmo tempo tão baronial e tão pouco empresarial que quando Martindgale finalmente chegou às mãos de Jeremy Lester, o último proprietário residente, já não passava de um mero pontinho no mapa de Bedfordshire.
Havia um mistério a respeito desse Jeremy Lester. Ninguém sabia explicar o que havia acontecido com ele. Em uma certa véspera de Natal, Jeremy estava na sala de carvalho de Martingdale e antes da manhã seguinte havia sumido- para nunca mais reaparecer.
Durante a noite, um certo Sr. Wharley, um bom amigo e grande companheiro de Jeremy, esteve jogando cartas com ele até depois da meia-noite, então se despediu de seu anfitrião e cavalgou para casa sob o luar. Depois disso, ninguém, até onde se soube, voltou a ver Jeremy Lester vivo. Seu estilo de vida não era o mais regrado, nem o mais respeitável, então foi só depois que o Ano Novo chegou, sem que nenhuma notícia chegasse à sua casa, que seus criados ficaram seriamente alarmados com sua ausência.
Em seguida, iniciaram-se as buscas, que se tornaram mais urgentes à medida que semanas e meses passavam, sem que se obtivesse a menor pista de seu paradeiro. Recompensas foram oferecidas e anúncios publicados, mas não havia nem sinal de Jeremy. Assim, com o passar do tempo, seu herdeiro legal, Paul Lester, tomou posse da casa e começou a passar os meses de verão em Martingdale com sua esposa rica e os quatro filhos dela, de seu primeiro casamento. Paul Lester era advogado – um advogado que trabalhava demais, e todos achavam que ele ficaria feliz em deixar a prática legal e se estabelecer em Martingdale, onde o dinheiro de sua esposa e a fortuna que ele acumulara lhe permitiriam levar uma vida confortável, mesmo em comparação com as famílias das propriedades vizinhas; e talvez tenha sido com essa sua intenção quando foi para Bedfordshire.
Mesmo que fosse esse o seu plano, no entanto, ele mudou logo de ideia. Voltou para Londres com as neves de Janeiro, abandonou as terras ao redor da casa, fechou a mansão, contratou um zelador e nunca mais se preocupou com sua residência ancestral.
O tempo passou e as pessoas começaram a dizer que a casa era assombrada, que Paul Lester “tinha visto alguma coisa” e assim por diante – todas essas histórias foram devidamente repetidas para nosso benefício quando, quarenta e um anos após o desaparecimento de Jeremy Lester, Clare e eu fomos inspecionar nossa herança.
Digo ‘nossa’ pois Clare ficou a meu lado bravamente na pobreza mais abjeta, e a prosperidade não iria nos separar. O que era meu era dela, e isso ela sabia, Deus a abençoe, sem que eu precisasse dizer nada.
A transição entre a rígida frugalidade para uma relativa riqueza foi, em nosso caso, tanto mais agradável porque não a havíamos previsto de forma alguma. Nunca esperamos que os sapatos de Paul Lester viessem parar em nossos pés, portanto em nossa consciência, jamais, nem em nossos momentos mais sombrios, tínhamos desejado que ele morresse.
Se ele tivesse feito um testamento, sem dúvida nunca teríamos ido a Martingdale e, conseqüentemente, eu nunca escreveria esta história. Mas, felizmente para nós, ele morreu intestado, e a propriedade em Bedfordshire ficou para mim.
A fortuna, ele a gastou em viagens, festas e entretenimentos em sua grande casa em Portman Square. Em relação aos seus pertences, a Sra. Lester e eu chegamos a um acordo muito amigável, e ela me deu a honra de me convidar para visitá-la de vez em quando. Ouvi dizer que ela me descreveu como um jovem muito digno e apresentável ‘considerando minha classe ‘, o que, é claro, vindo de uma autoridade tão boa, era gratificante. Além disso, perguntou-me se eu pretendia morar em Martingdale, e quando respondi que sim, me disse que esperava que eu gostasse de lá.
Naquela ocasião, me pareceu haver algo de significativo no tom com que ela falou. Quando fui para Martingdale e ouvi as histórias absurdas que circulavam sobre a casa ser assombrada, tive certeza que se a Sra. Lester desejava meu bem, mas que também temia por mim.
As pessoas diziam que o Sr. Jeremy “andava” por Martingale. Dizia-se que ele tinha sido visto por caçadores, por crianças que usavam o terreno como atalho para chegar à escola e por namorados que se encontravam debaixo dos elmos e das faias.
Quanto ao casal de zeladores, os terceiros em residência desde o desaparecimento de Jeremy Lester, o marido apenas balançava gravemente a cabeça quando questionado, enquanto a mulher dizia nem que uma parelha de cavalos selvagens nem a promessa de riquezas incalculáveis a obrigariam a entrar no quarto vermelho ou na sala de carvalho depois de anoitecer.
— Ouvi minha mãe dizer, senhor, -foi ela quem ficou de zeladora depois da velha Sra. Reynolds, a primeira zeladora- que havia coisas acontecendo nestes aposentos que fariam o cabelo de qualquer cristão ficar em pé. Passos e xingamentos, móveis batendo; e, em seguida, mais passos até a grande escadaria; e ao longo do corredor e assim até a quarto vermelho, e, em seguida, um bang, e, passos novamente. Dizem, senhor, que o Sr. Paul Lester o encontrou uma vez, e a partir desse momento a sala de carvalho nunca mais foi aberta. Eu mesma nunca entrei lá.
Ao ouvir isso, a primeira coisa que fiz foi ir até a sala de carvalho, abrir as cortinas, e deixar o sol de agosto inundar a câmara assombrada. Era um cômodo antiquado, mobiliado de maneira simples com uma grande mesa no centro, outra menor em um canto perto da lareira, cadeiras alinhadas contra a parede, e no chão um tapete empoeirado e comido pelas traças. Havia estátuas de cães na lareira, quebradas e enferrujadas e também uma grade de latão, suja e amassada; um quadro representando uma batalha naval estava pendurado sobre a lareira, e outra obra de arte similar na parede entre as janelas. No geral, era um aposento totalmente prosaico mas que não chegava a ser tristonho. Sugeri que os fantasmas fugiriam dele assim que a luz do dia entrasse e que eu ficasse à vontade o suficiente para redecorá-lo, trocar a mobília e o convertê-lo em uma agradável sala de estar.
Eu ainda não tinha chegado aos trinta anos, mas já tinha aprendido a prudência naquela excelente escola chamada “necessidade”. Não era minha intenção gastar muito dinheiro até que tivesse verificado com certeza quais eram as receitas reais geradas pelas terras que ainda pertenciam à propriedade de Martingdale, e tudo o mais que dela fazia parte. Na verdade, eu queria saber o que tinha herdado antes de me comprometer com grandes extravagâncias, e o lugar tinha sido negligenciado por tanto tempo que tive alguma dificuldade em descobrir quanto seria minha renda real.
Nesse meio tempo, no entanto, Clare e eu nos divertimos muito explorando cada canto e recanto de nosso domínio, mexendo nos conteúdos de antigos baús e armários, examinando os rostos de nossos ancestrais que nos olhavam das paredes, caminhando pelos jardins abandonados, cheios de ervas daninhas, arbustos e pássaros, onde os buxeiros tinham metros de altura e os galhos das roseiras tinham metros de comprimento. Coloquei o lugar em ordem. Nada mais de grama nas trilhas nem espinheiros espalhados sobre o chão, as cercas-vivas foram cortadas e aparadas, as árvores e os buxeiros podados. Mas costumo dizer que hoje em dia, apesar de todas as minhas melhorias, ou melhor, por causa delas, Martingdale não parece tão bonita quanto era em seu estado imaculado de pitoresca selvageria
Embora eu tivesse decidido não começar a consertar e decorar a casa até que estar melhor informado sobre as rendas de Martingdale, ainda assim o estado das minhas finanças era tão satisfatório que Clare e eu decidimos viajar para o exterior para tirar nossas tão esperadas férias antes que bom tempo passasse. Nunca se sabe o que o passar de um ano pode trazer à tona, como Clare sabiamente comentava, e foi de fato sábio aproveitar para nos divertir enquanto podíamos. Portanto, antes do final de agosto estávamos vagando pelo continente, passeando em Rouen, visitando as galerias em Paris, e falando em estender nosso mês de férias para três. O que me fez tomar essa decisão foi ao fato de que conhecemos a uma família inglesa que pretendia passar o inverno em Roma. Nós nos encontramos por acaso, mas ao descobrir que éramos quase vizinhos na Inglaterra – na verdade, a propriedade do Sr. Cronson ficava bem ao lado de Martingdale – o encontro casual rapidamente amadureceu em amizade, e logo estávamos viajando todos juntos.
Desde o início, Clare não gostou muito deste arranjo. Havia uma “mocinha” na Inglaterra com quem ela queria que eu me casasse, mas o Sr. Cronson tinha uma filha que certamente era muito bonita e atraente. A “mocinha” não tinha desprezado John Lester, o artista, enquanto a Srta. Cronson indiscutivelmente tinha como objetivo John Lester, o senhor de Martingdale, e teria rejeitado o olhar de admiração de um homem pobre sobre seu belo rosto. Vejo isso claramente agora, mas na época eu estava cego, e pretendia pedir Maybel – esse era seu nome- em casamento antes que o inverno acabasse, mas repentinamente chegaram notícias de que Sra. Cronson, a avó, estava doente. Em um momento os planos mudaram e nossos dias agradáveis de viagem ao exterior chegaram ao fim. Os Cronsons fizeram as malas e partiram, enquanto Clare e eu nos demoramos mais para voltar à Inglaterra, um pouco chateados um com outro, devo confessar.
Era meados de novembro quando chegamos a Martingdale, encontramos um lugar nem um pouco romântico ou agradável. As trilhas estavam inundadas e enlameadas, as árvores sem folhas, não havia flores exceto por algumas rosas rosas que floresciam no jardim. Tinha sido uma estação chuvosa, e o lugar estava horrível. Clare desistiu de pedir a Alice que lhe fizesse companhia nos meses de inverno, como era sua intenção, e quanto a mim, os Cronsons ainda estavam em Norfolk, onde pretendiam passar o Natal com a velha Sra. Cronson, já recuperada.
Em resumo, Martingdale parecia bastante triste, e as histórias de fantasmas que tínhamos ridicularizado enquanto o sol inundava a sala, tornaram-se mais plausíveis quando não tínhamos nada além do fogo ardente da lareira e velas de cera para dissipar a escuridão. Tornaram-se mais plausíveis ainda quando um empregado após o outro nos deixou para buscar trabalho em outros lugares; quando os “ruídos” se tornaram frequentes na casa; quando nós mesmos, Clare e eu, com nossos próprios ouvidos, escutamos as batidas e vozes sobre as quais tínhamos ouvido falar.
Meu caro leitor, você, sem dúvida, não tem uma imaginação supersticiosa. Deve zombar da existência de fantasmas, e “adoraria passar a noite em uma casa mal-assombrada”, o que é muito corajoso e louvável, mas espere até ser deixado em uma mansão sombria e desolada, cheia de sons inexplicáveis, sem um empregado, nenhum além de um velho zelador e sua esposa, que, vivem no lado extremo oposto do prédio e não ouvem os passos e os bang, bang em todas as horas da noite.
No início, imaginei que os ruídos eram produzidos por algumas pessoas mal-intencionadas que desejavam, para fins próprios, manter a casa desabitada, mas aos poucos Clare e eu chegamos à conclusão de nossas visitas deviam ser sobrenaturais, e que Martingdale era, por consequência, inabitável. Ainda assim, sendo pessoas práticas e, ao contrário de nossos predecessores, não possuindo dinheiro suficiente para viver onde e como queríamos, decidimos observar e ver se conseguíamos encontrar alguma influência humana na questão. Assim sendo, concordamos que íamos vigiar a ala direita da casa e a escadaria principal.
Por noites e noites ficamos acordados até duas ou três da manhã, Clare ocupada com suas costuras e eu lendo, com um revólver sobre a mesa ao meu lado; mas nada, nem som nem aparição recompensaram nossa vigília. Isso confirmou minha primeira impressão de que os barulhos não eram sobrenaturais,, mas só para fazer um teste, decidi que na na véspera de Natal, o aniversário do desaparecimento do Sr. Jeremy Lester, iria eu mesmo fazer vigília na câmara vermelha. Não falei de meu plano para Clare.
Por volta das dez, cansados por causa de nossas vigílias anteriores, cada um de nós se retirou para descansar. Um pouco ostensivamente, talvez, eu ruidosamente fechei a porta do meu quarto, e quando a abri de novo, uma meia hora depois, nem sequer um rato teria feito seu caminho ao longo do corredor com mais silêncio e cautela do que eu. No escuro completo, fiquei sentado dentro da sala vermelha. Por mais de uma hora vi tanto naquele cômodo quanto teria visto em meu próprio túmulo, mas passado esse tempo, a lua saiu e lançou estranhas luzes ao longo do assoalho e sobre a parede da câmara assombrada.
Até então eu tinha ficado vigiando a janela oposta, então mudei de lugar para um canto mais próximo da porta, onde as pesadas cortina da cama e um guarda-roupa antigo me protegiam de ser visto. Ainda assim vigiei, e ainda assim nenhum som quebrou o silêncio. Cansado por conta das muitas noites em branco, exausto de minha vigília solitária, caí finalmente no sono e só acordei ao ouvir a porta abrir suavemente.
— John, — disse minha irmã, quase em um sussurro — John, você está aqui?
— Sim, Clare, — respondi — mas o que você está fazendo acordada a esta hora?
— Desça,— respondeu ela— eles estão na sala de carvalho.
Não precisei que ela me explicasse a quem se referia, só a segui, me esgueirando até o andar de baixo, enquanto ela erguia a mão, me orientando a fazer silêncio e tomar cuidado. Junto à porta aberta da sala de carvalho, ela fez uma pausa, e nós dois olhamos para dentro.
Lá estava o cômodo que havíamos deixado às escuras durante a noite, iluminado por um fogo brilhante aceso na lareira, velas na chaminé, e junto à mesa, que não estava em seu lugar de costume, dois homens estavam sentados jogando cartas.
Podíamos ver o rosto do jogador mais jovem; era o de um homem cerca vinte e cinco anos, mas com sinais de ter vivido uma vida dura e perversa, de ter desperdiçado seu potencial e sua saúde. Um rosto que em vida pertencera a Jeremy Lester. É difícil para mim explicar como eu sabia disso, como em um segundo consegui identificar os traços do jogador como sendo do homem que estava desaparecido há quarenta e um anos, quarenta e um anos completos naquela mesma noite. Ele estava vestido com os trajes de uma época passada; o cabelo estava empoado, e nos punhos da camisa havia babados de renda.
Ele parecia ter acabado de sair de uma grande festa e chegado em casa para jogar cartas com um amigo íntimo. Em seu dedo mindinho brilhava um anel, na gola da camisa um diamante valioso. Havia fivelas de diamante em seus sapatos, e, de acordo com a moda de seu tempo, ele usava culottes e meias de seda, que mostravam vantajosamente a forma de uma perna e tornozelo notavelmente bem-feitos.
Ele estava sentado em frente à porta, mas em momento algum olhou para ela. Sua atenção parecia concentrada nas cartas.
Por um tempo houve silêncio total na sala, quebrado apenas pela ocasional contagem do jogo. Ficamos na porta, segurando a respiração, aterrorizados e ainda assim fascinados pela cena que se desenrolava diante de nós.
As cinzas caíam na lareira suavemente, como neve; podíamos ouvir o farfalhar das cartas quando eram embaralhadas ou jogadas sobre a mesa, e ouvimos a contagem – quinze-um, quinze-dois, e assim por diante -mas nenhuma outra palavra foi dita até que finalmente o jogador cujo rosto não podíamos ver, exclamou:
— Ganhei; o jogo é meu.
Em seguida, seu oponente pegou as cartas, as analisou com desdém, voltou a juntá-las, e as jogou no rosto de seu convidado, exclamando:
— Trapaceiro! Mentiroso! Tome isso!
Houve uma agitação e confusão, cadeira arremessadas, violentas gesticulações, barulho de vozes exaltadas se misturando, tanto que não podíamos distinguir sequer uma frase proferida. Mas, de repente, Jeremy Lester saiu da sala com tanta pressa que quase nos tocou ao passar por nós; foi andando até a escada que levava para a sala vermelha, de onde desceu em poucos minutos com um par de espadins debaixo do braço.
Quando voltou a entrar na sala nos pareceu que ele permitiu ao outro que escolhesse sua arma. Então abriu uma das portas, e depois de, cerimoniosamente, dar passagem a seu oponente, saiu no ar da noite. Clare e eu os seguimos.
Passamos pelo jardim e descemos por um caminho estreito e sinuoso até um pedaço bem aparado de gramado, abrigado do norte por um bosque de jovens abetos. Era uma noite de luar brilhante por esta altura, e pudemos ver claramente Jeremy Lester medindo o terreno.
— Quando disser ‘três’ — ele disse finalmente para o homem que continuava de costas para nós. Eles tinham tirado a sorte para escolher as posições, e a sorte fora contra o Sr. Lester. Ele ficou ali de pé banhado pelos raios da lua, belo como nenhum homem que já contemplei.
— Um— começou o outro— Dois— e antes que nosso parente tivesse a menor suspeita de suas intenções, ele o atacou e fincou seu espadim através do peito de Jeremy Lester.
Ao ver essa traição covarde, Clare gritou. Em um átimo, os combatentes desapareceram, a lua se escondeu atrás de uma nuvem, e nós nos vimos sob a sombra dos abetos, tremendo de frio e terror. Mas sabíamos finalmente o que tinha acontecido com o falecido dono de Martingdale, que ele tinha morrido, não em luta justa, mas traiçoeiramente assassinado por um falso amigo.
Quando eu acordei tarde, já no fim da manhã de Natal, vi um mundo branco ao contemplar o chão, e árvores, e arbustos todos cobertos, pesados de neve. Havia neve por toda parte, como ninguém se lembrava de ter caído em quarenta e um anos.
— Foi em um Natal assim que o Sr. Jeremy desapareceu— o velho sacerdote comentou com minha irmã, que insistiu em me arrastar pela neve até a igreja. Lá, Clare desmaiou e foi levada para a a sacristia, onde fiz uma confissão completa ao vigário sobre tudo o que tínhamos visto na noite anterior.
No início, aquele indivíduo respeitável estava inclinado não levar o assunto a sério, mas quando uns quinze dias depois, a neve derreteu e o bosque de abetos foi examinado, ele admitiu que poderia haver mais coisas no céu e na terra do que sua vã filosofia podia sonhar.
Em uma pequena clareira dentro do bosque, foi encontrado o corpo de Jeremy Lester. O reconhecemos pelo anel, as fivelas de diamante, e o broche cintilante no peito. O Sr. Cronson, que em sua qualidade de magistrado veio inspecionar essas relíquias, ficou visivelmente perturbado com a minha narrativa.
— Por favor, Sr. Lester, teria por acaso visto em seu sonho o rosto do cavalheiro, o adversário de seu parente?
— Não— respondi— ele ficou de costas para nós o tempo todo.
— Está claro, então, que não há mais nada a ser feito sobre o assunto— observou o Sr.Cronson.
—Nada.— concordei e a história teria sem dúvida terminado ali, mas alguns dias depois, quando estávamos jantando na residência dos Cronson, Clare de repente deixou cair o copo de água que estava levando aos lábios, e exclamou:
— Olhe, John, lá está ele!— Ela levantou-se de seu assento, e com o rosto tão branco como a toalha da mesa, apontou para um retrato pendurado na parede. — Eu o vi por um instante quando ele virou a cabeça para a porta, quando Jeremy Lester a saiu. É ele.
Do que se seguiu após esta identificação eu tenho apenas uma lembrança vaga. Empregados correram para lá e para cá; a Sra. Cronson caiu de sua cadeira em histeria; as jovens senhoritas reuniram-se em volta de sua mãe, e o Sr. Cronson, tremendo como se estivesse tendo um ataque de malária, tentou oferecer algum tipo de explicação, enquanto Clare continuava implorando que eu a levasse embora, que apenas a levasse embora.
Eu a levei embora, não apenas da casa dos Cronson, mas de Martingdale. Antes de partir, no entanto, eu tive um encontro com o Sr. Cronson, que me confessou que o retrato Clare tinha identificado era do pai de sua esposa, a última pessoa que tinha visto Jeremy Lester vivo.
— Ele é um homem velho agora— finalizou o Sr. Cronson — um homem de mais de oitenta anos, e confessou tudo para mim. Não pretende trazer mais tristeza e desgraça para nós, tornando este assunto público, pretende?
Prometi a ele que ficaria em silêncio, mas a história gradualmente se espalhou, e os Cronsons acabaram indo embora.
Minha irmã nunca voltou para Martingdale; ela se casou e agora mora em Londres. Embora eu lhe assegure que não há ruídos estranhos em minha casa, ela não não tem nenhuma vontade de visitar Bedfordshire, onde a “mocinha” na qual ela me pedira para “pensar seriamente” há tanto tempo atrás, agora é minha esposa e a mãe dos meus filhos.
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