Imagem de capa: David Tomaseti
“Bring me a light” foi publicado no volume IV da primeira série do periódico “Once a Week” em Dezembro de 1860, com ilustrações de Frederick Walker, reproduzidas aqui.
Meu nome é Thomas Whinmore, e quando era mais jovem, fui passar as férias da faculdade na residência de um cavalheiro em Westmoreland. Ele tinha sido amigo da família de meu pai e fora nomeado curador de uma pequena propriedade deixada por minha tia-avó, Lady Jane Whinmore. Na época, eu tinha vinte e um anos e ele estava ansioso para entregar a propriedade em minhas mãos. Aceitei seu convite para “visitar o velho lugar e vê-lo por mim mesmo”. Quando a carruagem que me trouxe de Carlisle me deixou no ponto mais próximo do chamado “velho lugar”, eu e minha mala de viagem fomos parar perto de uma pequena carroça, a única coisa com rodas que eu consegui achar perto da pequena pousada de beira de estrada.
— Qual é a distância até Whinmore?— perguntei a um rapaz alto e sério, que já havia me informado que ”cavalo e carroça” me custariam um xelim por milha.
— Umas doze milha ‘té o portão, mais uma milha ‘té a fazenda do Sr. Erle.
Ao olhar para o cavalo bravo e peludo, recém-apanhado na charneca com o propósito de puxar a carroça, tive minhas dúvidas sobre qual de nós daria as ordens na estrada. Eu tinha verificado que a dita estrada passava por uma charneca e pela montanha – exatamente o tipo de terreno em que um corcel daqueles só obedeceria a sua própria vontade. Eu não estava com muita vontade de ser arrastado a esmo.
— Há alguém aqui que possa me levar até a casa do Sr. Erle?— perguntei ao rapaz alto e sério.
— Só o pai.
Fiquei confuso e estava prestes a pedir uma explicação, quando um velho alto e forte, extremamente parecido com o jovem, saiu pela porta da casa com seu chapéu e um chicote na mão. Ele subiu na carroça e, voltando-se para mim, disse:
— O Senhor vai ficá parado aí? Nós não chega em Whinmore Hall antes do demônio trazê a luz.
— Mas eu queria comer alguma coisa comer antes de partirmos.— protestei. — Ainda não jantei.
— Então vai guardá o apetite pra hora do jantar.— respondeu o velho. —Eu não passo pelas luz de Whinmore por homem nenhum e o meu cavalo também não. Vamo subindo! Joe, dê uma mão ao cavalheiro.
Joe obedeceu e então disse:
—O Senhor vai tá em casa à noite, pai?
—Pode sê que sim, pode sê não, rapaz; cuida de tudo aí.
Em um momento o cavalo começou a andar, e lá fomos nós chacoalhando pela charneca a passos de tartaruga. Surpresa, indignação e fome me possuíram. Seria possível que eu ia me embrenhar pelo meio do mato sem jantar e contra a minha vontade?
—Veja bem, meu bom homem…— comecei.
—Meu nome é Ralph Thirlston.
—Bem, Sr. Thirlston, eu queria comer alguma coisa. Não haveria alguma pousada entre este ermo e a casa do Sr. Erle?
—Tem nada além de Whinmore Hall.— disse o velho, com um sorriso.
—Suponho que posso conseguir algo para comer lá, sem ser incomodar ninguém. Afinal, é minha propriedade.
O Sr. Thirlston olhou para mim de repente.
—O Senhor é o dono, seu menino?
—Sou, Sr. Thirlston— respondi —Meu nome é Whinmore.
—Senhor Tom!
—Eu mesmo. O senhor sabe alguma coisa sobre mim ou minha antiga casa?
—Ora, se eu não sei. O Senhor é o herdero da véia Leddy. O Sr. Erle é que cuida, que cultiva as terra.
—Isso eu sei.— respondi—Queria que me contasse quem mora em Whinmore Hall agora e se posso jantar lá, pois estou varado de fome, como vocês dizem por aqui.
—Bem, bem. A fome é difícil pro estômago jovem! Mas vai tê que güentá ‘té a casa do Sr. Erle.
—Mas certamente deve haver alguém alguém, ao menos alguma senhora que more na casa nem que seja para arejar os quartos!
—Tê, tem. Mas é só fantasma e cria do demônio.
—Estou surpreso, Sr. Thirlston, de ouvir um homem como o senhor falar essas bobagens.
—Como é que o Senhor sabe que homem eu sou, Sr. Whinmore? Sim, se eu falo bobagem (e não tô contradizendo o que um universitário erudito como o senhor acha que é bobagem), ainda assim, só falo do meu jeito das coisa que ouvi e vi.
—O que o senhor ouviu e viu em Whinmore Hall?
—O que se ouve e vê em Whinmore entre o pôr do sol e o luar e o que eu costumava vê muito quando vivia lá, na época que trabalhava nas plantação de Leddy Jane, – e não tô curioso pra ver tudo de novo agora. Então anda ,Timothy, — se dirigiu ao cavalo— senão nós corre o risco de tomá um susto. ”
Ao contrário dele, eu não estava preocupado em me atrasar, mas fiquei observando-o.
Este homem não é um tolo, pensei. Me perguntei que estranha ilusão tinha se apoderado das pessoas em minha velha casa. Lembrei-me de que o Sr. Erle havia me dito em uma das poucas cartas que recebi dele, que era difícil encontrar um inquilino para Whinmore Hall. A curiosidade levou precedência sobre a fome, e comecei a pensar na melhor maneira de acalmar meu companheiro irritado e fazer com que ele me contasse as coisas em que acreditava.
Estávamos de volta à estrada e íamos passando pela beirada de um grande precipício; o sol acabava de desaparecer atrás de uma cadeia distante de montanhas semelhantes entre si sem deixar nuvens rosadas nem listras alaranjadas no céu;- só nuvens negras de chuva espalharam-se por todo o grande firmamento e, em poucos minutos, desabaram sobre nós. O vento era frio e cortante contra nossos dentes. Senti meu ânimo aumentar. A vasta charneca monótona, o céu ameaçador e a feroz ventania tinham algo de sublime e revigorante para mim. Olhei em volta para o novo trecho de charneca pelo qual gradualmente passávamos, à medida que contornávamos a colina.
—Eu gosto deste lugar selvagem, Sr. Thirlston.— eu disse.
—Selvagem ‘té demais!—ele resmungou—Esse seu aprendizado universitário é muito melhó do que essa casa e esse terreno. Nem os mendigo quer morar na casa, e a terra é a mais pobre da Inglaterra todinha.
—É essa é a casa, ali, à direita?
—Não tem nenhuma casa, nem boa nem má, para se vê aqui.— respondeu ele: mas observei que não virou para olhar na direção que eu havia apontado. Apenas continuava olhando para a frente, o olhar cravado entre as orelhas do cavalo. Eu, pelo contrário, não tirei os olhos do edifício cinzento do qual nos aproximávamos. Conforme chegávamos mais perto, vi que havia um grande jardim e um terreno cercado circundando a casa, e que a estrada atravessava uma parte daquele terreno. Havia também um portão de ferro trabalhado, que servia como entrada principal. Minha velha casa tinha uma aparência desolada, fria e inóspita, e seu jardim era inculto e emaranhado. Eram muitas as chaminés altas das quais não saía fumaça, brancas contra a escuridão do céu; as janelas eram ainda mais numerosas e negras em contraste com o cinza esbranquiçado das paredes. Assim que entramos debaixo das sombras das árvores e do matagal, o cavalo relinchou e se afastou da cerca.
—Ande! Pra lá! A culpa é toda sua, que foi fugi e atrasou nós— ralhou Ralph Thirlston, agarrando as rédeas e ficando de pé para controlar melhor o cavalo. Timothy parou, e para minha surpresa, todos os seus membros começaram a tiritar, até que ele tremia de pavor.
—Alguma coisa assustou o animal.— eu disse —Vamos ver o que foi.
Eu já ia descendo da carroça quando senti a mão grande de Ralph Thirlston agarrar meu braço com firmeza.
—Pelo amor de Deus, fique aí — ele sussurrou, apavorado. —Foi aqui bem que meu irmão morreu, fazendo justamente o que o Senhor qué fazê agora.
—O quê? Ir até aquela cerca para ver que besteira assustou um cavalo medroso?— Olhei para a cerca com atenção. Não havia nada de estranho além de um galho de sabugueiro que balançava ao vento, enrolado em uma parte podre da madeira.
Mas ao ver que o homem estava tão assustado quanto o cavalo, decidi obedecê-lo. No entanto, ele não largou meu braço.
—Não precisamos ir procurar o que assustou o pobre Timothy— falei, rindo. —Se o senhor olhar bem, pode ver o que foi.
—Não, seu menino, não! Não vô olhá pro diabo nem pras obra dele. Deus tem piedade de nós! Cristo tem piedade de nós! Pai Nosso que estás no céu…— ele recitou a oração inteira com ênfase, devagar e de olhos fechados. Eu fiquei ali sentado, desconcertado ao ver seu estado de espírito. Ao dizer “Amém”, ele abriu os olhos e olhou para o cavalo que parecia ter se recuperado. Ao menos me pareceu, já que tinha abaixado a cabeça para pastar.
Ralph assobiou, puxou as rédeas novamente, e Timothy deixou-se guiar. Thirlston evitava olhar para a cerca à sua direita, concentrando-se apenas em Timothy. Eu olhei de novo para o inocente galho de sabugueiro, mas qual não foi minha surpresa ao ver que onde o galho estava, ou parecia estar, agora havia um homem, com uma espada na mão.
—Pare, Thirlston! Pare!— exclamei. —Tem alguém lá. Eu vi um homem com uma espada. Olha! Volte, vou ver o que ele está fazendo lá.
—Não! Não! Nunca se volta pra encontrar o demônio, depois que já passou por ele! —E Thirlston apressou o passo.
—Mas o diabo pode muito bem ultrapassá-lo!— exclamei, rindo. Porém, quando olhei para trás, vi que ninguém nos seguiria, já que a figura havia sumido.
—Vou fazer uma visita a esse diabo amanhã— acrescentei. —Não permitirei esse tipo de brincadeira em minhas terras.
—Senhor, não fale assim, Senhor Whinmore!— sussurrou Thirlston. —’tamos chegando no portão! Eles pode ´té matá o Timothy!”
—Eles? Eles quem? Não está falando de fantasmas, claro.— Olhei pelo grande portão quando passamos, e vi toda a fachada da casa. —Oras, Sr. Thirlston, o senhor disse que ninguém morava na mansão. Veja! Há luzes nas janelas.
—Sim, sim! Eu achei mesmo que o Senhor ia vê— disse ele, em um sussurro aterrorizado, sem virar a cabeça.
—Ora, olhe você mesmo!— eu disse eu, apontando para a casa.
—Deus me livre!— ele exclamou; e deu um golpe de chicote em Timothy, que fez o cavalo sair voando pelo jardim da mansão
O terreno tinha outra elevação, e em poucos minutos tínhamos uma boa vista do lugar. Olhei de novo, com vívido interesse. Não se via mais nenhuma luz, nada se movia, as janelas negras contrastando com as paredes cinzas e as chaminés cinzas contrastando com as nuvens negras, como eu tinha visto ao olhar pela primeira vez. A lua nascia acima de uma colina escura à nossa esquerda. Thirlston deixou que Timothy diminuísse a velocidade, e, virando-se, também olhou para Whinmore Hall.
—Tudo bem agora—disse ele. —Só tem perigo quando as pessoa passa perto do lugar amaldiçoado entre o pôr do sol e o nascer da lua.
Cerca de uma milha mais adiante, o latido de um cão indicou que estávamos nos aproximando da residência do Sr. Erle. O condutor parou perto de um pequeno postigo que dava em uma alameda de arbustos, desceu e me convidou a fazer o mesmo. Depois prendeu Timothy ao portão. O jardim e a casa não têm nada a ver com esta história, e me são muito queridos para jogá-los na narrativa simplesmente como adornos sem importância. Foram o cenário da parte romântica de minha vida; já que a Srta. Erle tornou-se minha esposa alguns anos depois daquela primeira visita a Whinmore. Quando a conheci naquela noite, até esqueci de Ralph Thirlston e da velha mansão com seus fantasmas e luzes misteriosas. No entanto, na manhã seguinte, fui forçado a voltar ao mundo do trabalho diário quando fui ao escritório do pai dela. Lá, ouvi o que o Sr. Erle tinha a dizer sobre minha propriedade. Toda a terra era cultivada por ele, exceto os poucos hectares ao redor da mansão, que ninguém queria não só porque não valiam a pena lavrar, mas também por causa do renome maligno da própria casa.
—Como foi Ralph Thirlston que o trouxe até aqui, imagino que já saiba por que nunca encontramos nenhum inquilino para a mansão.
—Sim,— respondi, sorrindo. — mas não consegui tirar nenhuma explicação racional dele. O que é essa bobajada sobre fantasmas e luzes? Quem mora na casal?
—Ninguém, meu bom amigo. Seria impossível convencer até o homem mais forte da paróquia, que aliás é o Thirlston, a sequer entrar na casa após o pôr do sol, quanto mais a morar nela.
—Mas eu vi luzes em algumas das janelas.
—Eu também.
—Quer dizer que nenhum ser humano mora naquela casa, tudo por causa de uma superstição? Truques desse tipo não são incomuns.
—Correndo o risco de parecer tolo aos seus olhos, devo dizer que não acredito que nenhum ser humano vivente tenha qualquer participação nos eventos que acontecem em Whinmore Hall.—O Sr. Erle parecia perfeitamente sério ao dizer isso.
—Eu vi um homem com uma espada na mão junto da cerca. Acho que foi ele que assustou nosso cavalo.
—Eu também vi a figura de que fala. Mas não acho que seja um homem vivo.
—O que supõe que seja?— Perguntei, pasmo, pois o Sr. Erle não era uma pessoa ignorante ou de mente fraca. Inclusive, ele já havia me inspirado um verdadeiro respeito por seu caráter e intelecto.
Meu tom impetuoso o fez sorrir.
—Vivo longe daquilo que é chamado de ‘o mundo’— disse ele. —Grace e eu não somos educados o suficiente para achar que tudo o que não podemos explicar é ridículo ou impossível. Há uns dez anos, quando eu mesmo era um residente novo neste condado e queria fazer melhorias na sua propriedade, decidi morar na velha mansão. Preparei tudo para receber a minha família. Ninguém queria trabalhar no lugar após o pôr do sol. Mas eu trouxe todos os meus empregados de longe; e tomei cuidado para que não conversassem com nenhum vizinho nos primeiros três dias. Na terceira noite, todos vieram até mim e disseram que tinham que ir embora na manhã seguinte. Todos menos a babá de Grace, que tinha sido acompanhante da mãe dela e era apegada à família. Ela me disse que não achava seguro que a menina passasse nem mais uma noite na casa, e que eu deveria lhe dar permissão para levá-la embora.
—O que o sehor fez?— perguntei
—Pedi que me contassem o que os tinha assustado tanto. Claro que ouvi alguns relatos mirabolantes e exagerados; mas o principal fenômeno relatado foi um que eu mesmo tinha visto e ouvido e que, assim como eles, não queria voltar a ver ou ouvir, tampouco desejava que minha filha visse. Eu lhes disse isso, com toda a honestidade, ao mesmo tempo que declarei minha crença de que, assim como em toda a criação, era providência ou o castigo de Deus que estavam em ação na casa, e não a mão ardilosa do demônio. Mais uma vez, fiz uma busca rigorosa por mecanismos escondidos e outras coisas que poderiam ter produzido as visões e sons que tantas pessoas testemunharam, mas não achei nada. Antes de o sol se por naquela tarde, a mansão estava vazia de qualquer ocupante humano. E permanece assim até hoje.
—Pode me contar o que viu e ouviu?
—Não, é melhor que veja e ouça por si mesmo. Ainda temos muito tempo até o pôr do sol. Posso lhe mostrar a casa toda, e se tiver mesmo coragem, o deixarei passar uma hora lá dentro, entre o pôr do sol e o nascer da lua. Pode voltar até aqui e se ainda quiser, e estiver em condições de ouvir a história que povoa de horrores sua velha mansão, então eu contarei.
—Obrigado.— respondi—Poderia me emprestar aquela espingarda e as pistolas para me assistir em minhas investigações?
—Claro.—Ele pegou as armas que eu tinha apontado e as examinou.
—As quer carregadas?
—Certamente. E com balas de verdade. Não estou indo até lá para brincar.
O Sr. Erle carregou a espingarda e as duas pistolas. Coloquei a espingarda em meu bolso e saímos do aposento por uma porta lateral. Grace Erle nos encontrou na charneca, montada em um cavalo pequeno de crina longa.
—Aonde estão indo tão perto da hora do jantar? — perguntou.
—O Sr. Whinmore vai ver a velha mansão.
—E essa arma?— ela sorriu,
—Vou atirar nas pragas de lá.
Ela pareceu ansiosa para dizer alguma coisa, mas se calou e afastou-se, cavalgando devagar. Eu a observei se afastar, imaginando o que ela ia dizer. Talvez quisesse me impedir de ir.
Estávamos em frente ao portão de ferro de Whinmore Hall. O Sr. Erle tirou duas chaves do bolso. Com uma delas, ele destrancou o portão, com a outra a porta da frente. Não havia nenhuma outra tranca. As fechaduras estavam velhas e enferrujadas, abrindo com dificuldade.
—Ninguém entra por aqui—observei —Isto está claro.
O jardim era um matagal triste, com grama subindo pelos largos degraus que levavam à porta.
Assim que cruzamos a soleira, senti a influência daquele domicílio desolado se insinuar em meu espírito. Havia uma gélida estagnação no ar, uma quietude mórbida; a luminosidade turva nos antigos aposentos era indescritivelmente opressiva. Todas as janelas do andar de baixo estavam trancadas e adornadas com uma generosa camada de poeira e teias de aranha.
Ainda assim eu poderia jurar que tinha visto luzes em pelo menos duas delas. Eu disse isso ao meu companheiro. Ele respondeu
—Sim . . . Foi neste mesmo aposento em que você viu as luzes, me parece. É o mesmo em que eu também as vi. Mas não quero estragar meu apetite com nada de sobrenatural agora. Vamos sair daqui, vou levá-lo ao quarto de dormir e ao quarto de vestir da senhora, onde as aparições e barulhos são mais numerosos.
Eu o segui, mas olhei ao meu redor antes de fechar a porta com cuidado. O quarto estava parcialmente mobiliado como uma biblioteca, mas de um lado havia uma cama e ao lado dela uma poltrona.
—Como se chama este aposento? Tem a aparência nefasta de um lugar onde algo terrível aconteceu.
—As pessoas que conhecem a história ligada a ele, o chamam de “A sala do assassinato do velho cavalheiro’.
—Ah!— exclamei —Então posso procurar por um fantasma aqui?
—Talvez veja um ou mais, se ficar tempo o bastante— disse o Sr. Erle com a mais absoluta compostura. —Por aqui.
Eu o segui ao longo de uma galeria no primeiro andar até a porta de um dos cômodos. Ele a abriu, e entramos no que, aparentemente, fora um dos quartos principais. Era um quarto normal de mulher, do século XVII, com uma cama de dossel cujos pilares de carvalho negro terminavam em plumas esculpidas. Uma grande penteadeira com seu espelho oval em moldura de prata e coberto de renda antiga, as cadeiras esculpidas e a lareira majestosa davam um ar de elegância e dignidade ao cômodo. Não tive muito tempo para examinar os objetos, pois o Sr. Erle foi para o próximo cômodo, ao qual se chegava através de uma pequena escada.
—Venha cá!— ele chamou com uma voz que não parecia em nada com a do Sr. Erle. Subi correndo e o encontrei sozinho em uma pequena sala que continha apenas uma escrivaninha, um gabinete e duas grandes cadeiras. Em uma das paredes laterais estava pendurado. um grande espelho parisiense à la Régence. Os candelabros ainda tinham pedaços amarelos de velas cobertos de poeira. Me juntei ao Sr. Erle, que estava olhando pela janela para a vastidão de colinas e charnecas.
—Vejo um bom futuro aqui!— exclamei —Gosto muito destes dois quartos. Com certeza viverei aqui.
—Diga-me sua opinião sobre isso amanhã.—disse o Sr.Erle —Agora tenho que ir.
Disfarçando o máximo possível o meu desprezo por sua superstição absurda, eu o acompanhei de volta até o andar de baixo.
—São só aqueles dois cômodos que vale a pena examinar?— perguntei
—Não, a maioria dos cômodos são adequados o bastante para a residência de um cavalheiro. Aqueles que lhe mostrei, e as escadas e corredores que levam de um para o outro são as únicas partes da casa na qual será incomodado. Eu já dormi nos dois quartos, e não aconselharia ninguém a fazer o mesmo.
—Teve pesadelos?— perguntei, com um sorriso involuntário, enquanto pegava minha arma da mesa do corredor, onde a havia deixado.
—Como quiser chamar.— disse o Sr. Erle, sorrindo também.
Eu estendi minha mão para ele quando chegamos ao portão.
—Boa noite!— eu disse. —Acho que vou dormir em um daqueles quartos, e voltarei pela manhã.
O Sr. Erle balançou a cabeça.
—Você estará de volta à minha casa em três horas, Tom Whinmore; então, au revoir!
Ele foi andando pela charneca. Sua elegante figura parecia quase gigantesca enquanto se movia entre mim e o sol poente.
“Aquele não parece um homem propenso a ser vítima de superstições bobas. E o bom Ralph Thirlston, que voltou para casa sozinho de boa vontade passando por aquele mesmo portão por volta das nove horas da noite anterior! A hora das assombrações aqui, ao que parece, é logo após o pôr do sol. Bem, ainda falta um quarto de hora, ” pensei silenciosamente. “Tempo suficiente para explorar um pouco o jardim, antes de voltar para casa e esperar pelo entretenimento da noite.”
Enquanto caminhava por entre os arbustos, lembrei-me da figura que tinha visto do lado de fora da cerca na noite anterior. Devo descobrir como aquele truque funciona, pensei, e se tiver uma chance certamente vou pegar aquele fantasma, pour encourager les autres*.
Calculando, da melhor maneira que pude, em que parte do matagal vi o homem, comecei a procurar por pegadas ou marcas do engenho humano. Logo descobri o sabugueiro cujos galhos estavam presos em um buraco na cerca. Me aproximei e examinei a cerca. Nenhuma tábua estava solta, embora alguns galhos tivessem crescido por dentro do buraco. Não consegui ver nenhuma pegada além das minhas na terra úmida e cheia de folhas. Passei pela cerca e não vi marcas do lado de fora. Perplexo, mas ainda assim desconfiado, voltei e continuei minha caminhada, ao longo da qual encontrei várias casas de verão arruinadas e decadentes. No jardim de flores emaranhadas, no lado sudoeste, havia algumas floradas bonitas, crescendo amigavelmente junto às ervas mais vis. Tirei uma grande raiz de cicuta para chegar a um ramo de rosa da Provença, e então, vendo que o sol havia desaparecido por trás das colinas do lado oposto, continuei a andar até voltar ao largo caminho de cascalho que levava do portão até a porta da mansão.
Ambos estavam abertos, como eu os havia deixado. Demorei-me nos degraus cobertos de grama, olhando os últimos raios de sol, que pintava de vermelho as urzes nas colinas distantes. Quando me apoiei em minha arma, apreciando a profunda quietude do lugar, tão distante de todos os sons da vila, da floresta e do mar, uma quietude que parecia se aprofundar e aprofundar em uma intensidade sobrenatural, o encanto foi quebrado por uma voz humana falando perto de mim —Seu tom era vazio e cheio de agonia.
— Traga-me uma vela! Traga-me uma vela!— gritou. Parecia a voz de um homem doente ou moribundo. A voz veio, pensei, do cômodo ao meu lado, à direita da casa. Corri para dentro e fui até a porta daquele quarto; o primeiro que o Sr. Erle tinha me mostrado. Lembrei-me de ter fechado a porta, mas agora ela estava totalmente aberta. Ouvi o som de passos apressados lá dentro.
— Quem está aí?— gritei. Nenhuma resposta veio. Mas passou por mim, por assim dizer, na própria porta, a figura de uma jovem e, como pude ver de relance, bela mulher.
Quando ela passou, não pude evitar segui-la, tremendo com um medo indefinível, mas movido por uma atração mística. Ao pé da escada, ela se voltou para mim novamente, sorriu e acenou-me com o braço erguido, adornado com joias que brilhavam na escuridão. Eu a segui rapidamente, mas não consegui alcançá-la. Meus membros – não tenho vergonha de dizer isso – tremeram com um estranho medo. Ainda assim, não consegui deixar de seguir aquela bela forma. Em frente ela me levou – escada acima e através da galeria até a porta do quarto da senhora. Ali ela parou por um momento e voltou seu rosto encantador e radiante de sorrisos para mim antes de desaparecer pela porta escura. Eu a segui para dentro do quarto e a vi parada diante da antiga penteadeira, arrumando em seu seio um ramo de rosas – o mesmo que eu tinha acabado de pegar no jardim, ao que parecia – então me jogou um beijo e deslizou pelas escadas estreitas que levavam ao quartinho acima. Ouvi uma voz retumbante e altiva, a voz de uma mulher acostumada a dar ordens. Vinha do quartinho de cima e não podia ser a voz daquela bela garota, eu tinha certeza. Ela disse:
— Traga-me uma vela! Traga-me uma vela!
O som me fez estremecer. Não sabia por quê, mas fiquei ali parado. Então, vi a figura de uma velha empregada levantar-se de uma cadeira perto de uma das janelas. Ela se aproximou da penteadeira e a vi acender duas velas, ao que pareceu, só com sua respiração.
— Traga-me uma vela!— as palavras se repetiam em um tom zangado no aposento de cima.
A velha passou rapidamente para a escada. Para lá eu segui logo atrás dela; e, subindo até o topo, olhei para dentro do cômodo.
Aquela linda garota estava no meio do quarto, com seu rico vestido de renda arrastando pelo chão e seus cachos brilhantes caindo-lhe até a cintura. Ela estava de costas para mim, mas eu podia ver seu rosto doce e inocente no grande espelho. Que rosto lindo e feliz era aquele!
Atrás dela estava outra dama, mais alta e mais majestosa. Ela fingiu acariciar a jovem, que não viu como seus olhos orgulhosos brilharam com malícia triunfante. Eles dançaram alegremente à luz da vela que ela recebeu da empregada. “Deus do céu! Como pode uma mulher ter uma aparência tão perversa? ” , pensei eu.

—Não tire os olhos dela.— sussurrou uma voz em meu ouvido, uma voz que até mexeu o meu cabelo.
Eu não tirei. Oxalá eu pudesse esquecer o que vi! Ela, a mulher, o demônio, curvou-se cuidadosamente até o chão, como se para consertar algo na barra do vestido da bela noiva. Eu a vi abaixar a chama da vela e colocar fogo no vestido da garota sorridente e confiante. Antes que eu pudesse me mover, ela foi engolida pelas chamas, e ouvi seus gritos selvagens se misturando com a risada demoníaca de sua assassina.
Lembro-me que de repente levantei a arma em minha mão e atirei na horrenda aparição. Mesmo assim, ela ria e apontava com gestos zombeteiros para as chamas para a figura que se contorcia envolvida por elas. Corri para apagá-las, mas meus braços bateram contra a parede e caí inconsciente.

*****
Quando recuperei os sentidos, me vi deitado no chão daquele pequeno quarto, com a lua fria e brilhante olhando para mim. Esperei sem me mexer, esperando ouvir mais alguns daqueles sons demoníacos. Tudo estava quieto. Levantei-me e fui até a janela – a lua estava no céu, e todo a grande charneca parecia iluminada como se fosse dia. O ar daquele quarto estava sufocante. Voltei-me e saí. Desci apressadamente aqueles poucos degraus e atravessei o grande quarto mais rápido ainda, até sair na galeria. Quando comecei a descer a escadaria, vi uma figura subindo.
Agora eu era um verdadeiro covarde. Agarrando o corrimão com uma das mãos e buscando a pistola com a outra, gritei …
—Quem é você?— e, presa de um estúpido terror, atirei naquela figura, sem parar.
Houve um leve gemido; muito humano. Então, uma risadinha.
—Não dispare mais contra mim, Sr. Whinmore. Eu não sou um fantasma.
Algo naquela voz fez o sangue voltar a correr em minhas veias.
—É..?— Não consegui pronunciar mais uma palavra.
—Sou eu, Grace Erle.
—O que a trouxe aqui?— perguntei, por fim, depois de descer as escadas e agarrar sua mão para ter a certeza de que ela era de carne e osso.
—Meu cavalo. Começamos a ficar preocupados com o senhor. É quase meia-noite. Então papai e eu saímos para ver o que estava fazendo.
—Em que diabo está atirando, Whinmore?— perguntou o Sr. Erle, vindo apressadamente depois de me procurar nos aposentos inferiores.
—Só em mim, papai!— respondeu sua filha, maliciosamente, olhando para mim. —Mas ele é um péssimo atirador, pois não me acertou.
—Graças a Deus!—Exclamei— Srta. Erle, eu estava louco.
—Não, só muito assustado. Olhe para ele, papai!
O Sr. Erle olhou para mim. Depois pegou meu braço.
—Ora! Whinmore, não parece satisfeito de ter visto os espíritos de seus ancestrais. No entanto, vejo que já não vê isso como uma brincadeira. Não quer mais se mudar para cá imediatamente.
Eu me acalmei com a gentil badinage** dos dois.
—Deixe-me sair deste lugar horrível—pedi.
O Sr. Erle me levou para fora do portão. Apoie-me nele, em estado de exaustão.
—Aqui, experimente minha outra arma —ele disse, e levou um precioso cantil de bolso aos meus lábios. Depois de uma segunda aplicação do remédio, eu estava decididamente melhor.
A Srta. Erle montou em seu cavalo e partimos pela charneca. Fiquei muito calado enquanto companheiros conversavam um pouco entre si. Minha mente estava confusa demais para me lembrar de tudo o que havia acontecido durante minha estada na casa, e queria organizar meus pensamentos e recompor meus nervos antes de conversar com o Sr. Erle sobre as estranhas visões daquela noite.
Pedi licença como pude ao meu anfitrião e sua filha e, depois de pegar uma fatia de pão e um copo d’água, fui para a cama.
No dia seguinte, acordei tarde mas em perfeito juízo. Fiquei muito chocado ao pensar no medo covarde que me levou a disparar contra a Srta. Erle. Comecei minha conversa com meu anfitrião, expressando-lhe esse sentimento. Mas era desconfortável me declarar um tolo e um covarde.
—Quanto menos falarmos sobre isso, melhor—disse o pai, gravemente. —O medo é a paixão humana mais forte, meu rapaz; e nos leva a cometer os atos mais vis, se deixarmos que nos domine.
—Reconheço que estava fora de mim, aterrorizado com as imagens e sons daquela casa amaldiçoada. Eu não estava são no momento em vi sua filha! Eu nunca seria— ”
—Whinmore, ela espera que você nunca mais mencione isso! Nós certamente não o faremos. Agora, se está disposto a ouvir a história das malévolas ações de seus ancestrais, estou pronto para cumprir a promessa que fiz a ontem à noite. Vejo que agora sabe demais para pensar que sou um tolo por acreditar em meus próprios sentidos e me manter afastado de entidades desagradáveis que não se importam comigo. Não pretendo discutir o que eles são, nem como existem, nem mesmo se existem. Basta que apareçam; e que, ao aparecer, suspendam a normalidade da vida humana. Você pode ser um filósofo; talvez consiga encontrar algum meio de banir esses horrores sobrenaturais. Me agradaria se fosse capaz de fazer o que eu não posso.
—Posso tentar. Vai me contar a história?
—Sim, se fumar um charuto comigo primeiro.
Depois de nos acomodarmos confortavelmente em frente à lareira de seu escritório, o Sr. Erle começou.
“Há quanto tempo foi, não consegui descobrir exatamente, mas sei que foi em algum momento entre a Reforma e a Grande Rebelião, que os Whinmores se estabeleceram nesta parte do condado e possuíam uma grande extensão de terra. Eles tinham sangue nobre mas de modos muito rudes; brigavam com todos e se portavam de maneira insolente tanto com as pessoas mais simples abaixo deles quanto os nobres acima deles. Os Whinmores eram católicos de mão e coração de ferro e jacobitas convictos, durante os conflitos religiosos e políticos do final do século XVII e início do século XVIII. Após o estabelecimento do Protestantismo nos reinados de Guilherme III e Anne, a posição da orgulhosa casa de Whinmore mudou significativamente. Os filhos mais novos foram cedo mandados para o serviço em solo estrangeiro como soldados e padres, e o primogênito permaneceu em casa para proteger uma dignidade arruinada. Após o estabelecimento da dinastia Hanoveriana, os Whinmores de Whinmore Hall deixaram de tomar parte nos negócios públicos. Eram orgulhosos demais para cultivar suas próprias terras; e depois de confiar em um administrador desonesto, o Whinmore que era senhor do Hall na época que o rei George II reinou sobre a Inglaterra foi obrigado a vender metade da propriedade da família, só para manter as aparências .
“O Whinmore em questão, ‘o velho cavalheiro‘, como as pessoas o chamavam, era um homem melancólico, que não fora muito abençoado na loteria matrimonial. Sua esposa, Lady Henrietta Whinmore, era filha de um pobre conde católico. A tradição diz que ela era tão bela quanto orgulhosa; e eu acredito nisso.
“O casal teve apenas um filho. Quando Lady Henrietta descobriu que seu marido era um cavalheiro de disposição frouxa e em nada empreendedora, e que não conseguiria persuadi-lo a ir contras seus princípios para buscar o favor do novo governo, ela se dedicou à educação de seu filho, Graham. Como ele era um menino inteligente, saudável e de boa aparência, ela decidiu que ele caberia a ele resgatar a fortuna da família. Ela o manteve sob seus cuidados até os dez anos de idade. Ela então o enviou a Eton, com seu primo, o pequeno conde de——. Ele seria criado como protestante e, portanto, as deficiências civis da família seriam removidas. Ele se acostumou desde cedo com a sociedade de todas as classes encontrada em uma escola inglesa de primeira classe; e seus dons pessoais, bem como sua excelência mental o ajudaram a cair nas boas graças dos demais. Graham voltou de Oxford ao vinte e três anos, um homem de primeira categoria.
—Certamente!— exclamei —Espero ser descendente dele e que sua boa sorte faça parte da minha herança. Existe algum retrato deste belo jovem cavalheiro inglês dos tempos antigos?
—Um muito bom. Está na sala de estar da minha filha. Nós dois ficamos impressionados com sua semelhança com seu avô, Graham Whinmore.
—Eu nunca chegarei à categoria dele,— suspirei —mas continue.
“Quando Graham voltou para casa depois de seu sucesso na faculdade, encontrou o pai gravemente doente, tanto que sua cama fora trazida para a biblioteca, pois ele se considerava fraco demais para subir e descer escadas. Ele demonstrou pouca emoção ao ver seu filho e parecia estar rapidamente afundando na insanidade. Sua mãe, ao contrário, estava radiante de alegria; tinha até arrumado a velha casa em ruínas da melhor forma para receber o herdeiro. Isso porque, naquela época, o local estava muito degradado, e apenas uma pequena parte ainda era habitável, a parte que você visitou, na ala sul.
Graham descansou por um mês ou em dois, depois do desgaste dos estudos. Uma tarde, enquanto voltava de uma cidade distante, ele parou no topo da colina Whinmore, que oferece uma boa vista da mansão. A simples nudez das grandes colinas ao redor, a beleza antiga e o isolamento da mansão – acima de tudo, a doce e impressionante quietude do lugar, muitas vezes encantaram Graham quando menino. Agora ele olhava tudo com um sentimento muito mais forte.
‘Não posso perder tudo isso, por mim e por meus filhos’, ele prometeu para si mesmo . ‘Vou resgatar a hipoteca da casa, vou recuperar cada acre da velha terra dos Whinmore. Sim, vou trabalhar pela minha riqueza; mas não devo perder tempo, ou deixarei escapar minha oportunidade.’
“Ele olhou para a parte em ruínas da casa e começou a calcular o custo da reconstrução enquanto se cavalgava com pressa. Assim que entrou em casa foi ver o pai, a quem ainda não tinha visto naquele dia. Ele o encontrou em sua cama, com a enfermeira dormindo na poltrona ao lado. Seu pai não o reconheceu e, na opinião de Graham, parecia estar muito mudado desde o dia anterior. Ele saiu do quarto e foi procurar a mãe; pensando, apesar de do amor que tinha por ela, que ela estava negligenciando seus deveres de esposa. ‘Ela deveria estar ao lado dele agora’, ele pensou. Mesmo assim, ele inventou as desculpas a que pôde, pois a amava e a reverenciava. Ela era tão obstinada, tão bonita. Acima de tudo, o amava com uma devoção tão apaixonada. Ele temia lhe contar a decisão que tinha tomado. Ela era uma aristocrata e uma mulher. Não entendia como as coisas estavam mudando naquela época; não acreditaria que o melhor caminho para a riqueza e o poder não era por meio da influência da Corte, mas por meio de empreendimentos comerciais. Ele foi para o quarto dela, a Câmara da Senhora, onde você esteva ontem à noite. Ela não estava lá, e ele estava prestes a sair, quando ouviu a voz dela irritada falando com alguém no quarto de vestir, ou no oratório do andar de cima. Graham caminhou até a escada, onde topou com uma velha criada que era da confiança de sua mãe, pois era sua criada pessoal e a principal enfermeira do pai de Graham
Ela desceu as escadas em prantos, murmurando: ‘Não posso suportar isso. Foi a senhora quem me deu o remédio para ele. Vou mandar chamar um médico. ‘
‘Ora, um médico! Ele não quer nenhum médico’ exclamou sua senhora furiosa. ‘E não fale mais bobagens, minha boa mulher, se dá valor ao seu emprego.’
“Em sua agitação, a mulher não viu seu jovem patrão e saiu apressada do quarto.
“Espantado com as palavras da criada, ele subiu lentamente os degraus do quarto de vestir. Ali, encontrou sua mãe de pé diante do grande espelho adornado, usando um rico vestido de renda, sobre uma anágua de brocado, um colar, pulseiras e tiara de diamantes. Ela estava muito bonita, seus grandes olhos ainda brilhavam e suas bochechas ainda estava vermelha de raiva. Ela se virou rapidamente quando ouviu o pé de seu filho no degrau mais alto. Quando viu quem era, seu rosto se suavizou com um sorriso.
‘Você aqui, Graham! Queria vê-lo. Leia isso. ‘
“Ele mal conseguia tirar os olhos de admiração da figura brilhante à sua frente ao receber a carta.
“Estava endereçada à sua mãe, e vinha de seu primo, o Conde, informando-a de que ele havia obtido um certo cargo no governo para Graham.
“Ela o beijou quando ele se sentou depois de ler a carta.
‘Aí está seu primeiro degrau na escada da fortuna, meu filho. Você com certeza se vai chegar longe.’
‘Assim espero, mãe. Mas aonde você vai enfeitada com os diamantes e as rendas da família?
‘Não se lembra? Para o baile no Lorde-Tenente*. Você deve se vestir rápido, ou vamos nos atrasar. Seu primo estará lá, e devemos agradecê-lo por essa carta. ‘
“’ Sim, mãe’, respondeu ele, ‘mas devemos recusar o posto- tenho outros planos.’
“O olhar de Lady Henrietta escureceu.
‘Mãe! Jurei recuperar a propriedade de meus ancestrais. Isso exigirá uma grande fortuna. Não posso conseguir uma grande fortuna pendurando-me na Corte.Vou me tornar comerciante.
“Lady Henrietta olhou para ele com espanto.
‘ Você? —Meu filho, um comerciante?’
‘Por que não, mãe? Filhos de casas mais nobres já fizeram o mesmo e tenho vantagens que poucos têm. Ouça, querida mãe. Salvei a vida de um amigo da faculdade que estava se afogando. O pai dele é um dos comerciantes mais ricos de Londres – de toda a Inglaterra. Ele escreveu para me dizer que, se fosse de meu agrado e do agrado de minha família, ele estava pronto para me receber, imediatamente, como sócio minoritário em sua empresa. Ele ouviu do filho que eu queria ficar rico para poder comprar de volta minha propriedade ancestral. Sua oferta me permitiria ficar rico em um espaço de tempo comparativamente curto. Pretendo aceitar sua generosa oferta.
“O peito orgulhoso de Lady Henrietta inchou; mas havia algo no tom do filho que a fez sentir que a raiva e a persuasão seriam igualmente vãs. Após alguns minutos de silêncio, ela disse amargamente:
‘ O mundo está mudado de fato, Graham, se homens de sangue nobre podem se tornar comerciantes e não perder sua nobreza.’
‘ Eles podem, mãe. E não acho que o mundo vá mudar muito nesse particular. Um homem de sangue nobre, que é, na verdade, um cavalheiro, não pode perder sua distinção em profissão nenhuma. Venha, boa mãe, dê-me um sorriso! Estou prestes a sair para ganhar uma herança. Lutarei com armas modernas – a pena e o livro de contas – em vez de espada e escudo.’
“Naquele momento passos apressados foram ouvidos na câmara abaixo, e uma voz chamou:
‘Minha senhora! Minha senhora! Venha rápido! O Cavalheiro está morrendo! ‘
“Mãe e filho foram correndo para o quarto do Sr. Whinmore. Chegaram a tempo de ver o velho morrer. Ele apontou para ela, e gemeu com seu último suspiro:
‘Foi ela! Foi ela!’
“Lady Henrietta sentou-se ao lado de sua cama e ouviu essas palavras incoerentes sem qualquer emoção visível. Ela observou a respiração deixar o corpo e então fechou os olhos do marido. Mas ainda que tivesse se mostrado forte naquele momento, ela acabou ficando gravemente doente por meses após morte dele, e foi amorosamente cuidada por seu filho e pela velha criada.
*****
“Agora devo avançar dez anos na história. Antes dque se completasse uma década, Graham Whinmore havia se tornado rico o suficiente para comprar de volta cada acre de terra e construir uma casa nova, vinte vezes mais bonita que a antiga, se quisesse. Mas não era isso que queria. Ele restaurou a velha casa, a transformou no que é agora. Não a teria trocado Chatsworth ou Stowe.
“Lady Henrietta ainda vivia lá; e supervisionou todas as melhorias. Ela havia aceitado a profissão do filho ao ver seus resultados em riqueza. Participou com ânimo de todos os seus planos para a melhoria da propriedade, e até propôs algumas ideias.
“ Era o outono do décimo ano desde a morte de seu marido, e ela esperava Graham em breve, para sua visita anual ao Hall. Estava sentada, examinando documentos importantes em seu quarto de vestir; a velha criada (que parecia não ter envelhecido) estava costurando no quarto de baixo, quando uma empregada trouxe uma carta que a velha levou imediatamente para a patroa.
“Lady Henrietta abriu a carta rapidamente ao ver que a caligrafia era de seu filho. ‘Talvez ele venha esta semana’, pensou com um arrepio de alegria. ‘Sim, ele virá me levar ao baile do lorde-tenente. Ele sente orgulho de sua mãe, e devo me arrumar bem.’ Mas ela não tinha lido uma dúzia de palavras antes que a expressão de seu rosto mudasse. A surpresa se transformou em desprezo e raiva – a raiva se transformou em ódio e fúria. Ela deu um grito agudo de dor. A velha criada correu para ela, alarmada; mas sua senhora já havia se recomposto, embora seu rosto estivesse lívido.
‘A senhora me chamou?’
‘Sim . . . Traga-me uma vela!’
“Nessa carta, Graham anunciou seu retorno para casa na semana seguinte: com uma esposa. Uma linda garota sem um tostão furado e sem conexões com a nobreza. Nenhuma palavra pode descrever a raiva amarga e a decepção da orgulhosa dama. O filho havia frustrado pela segunda vez seus planos para seu futuro, e a cada vez ele ultrajara seus sentimentos mais profundos. Ele havia se tornado comerciante e, fantasiado de plebeu, comprara a terra que seus ancestrais haviam conquistado na ponta da espada. Ela suportou isso, e se submeteu a ajudá-lo em seus planos. Mas receber uma qualquerzinha miserável e sem berço como nora? – Não! Ela nunca faria isso. Ela caminhou pela sala com passos suaves e firmes, como uma pantera. Depois de algum tempo, seu pensamento ficou mais claro e ela viu que a questão não era se ela estava disposta a receber a nora, mas sim se era da vontade dessa nora permitir que ela continuasse morando na mansão. A, que coisa mais horrível para uma uma mulher tão orgulhosa encarar esta realidade. Ela tinha pela a nora que nem conhecia um ódio agudo e frio – um ódio implacável nascido daquele pecado terrível, o orgulho. Mas ela não era uma mulher que odiava passivamente. Andava de um lado para o outro, indo e voltando com uma rapidez selvagem e furtiva. O dia passou e a noite chegou. A criada veio ver se ela precisava de alguma coisa e foi mandada embora com uma negativa arrogante.
‘Ela está ocupada com algum pensamento perverso,’ pensou a velha.
*****
“A noiva de Graham Whinmore era, como ele havia dito, ‘tão boa e adorável que ninguém jamais pensaria em perguntar quem eram seus pais’. Ela também era bem-educada e tinha maneiras elegantes. Em todos os aspectos, ela era superior à filha do duque, que Lady Henrietta havia escolhido para esposa de seu filho. Em todos os aspectos, exceto em berço. O pai da bela Lilian era um professor de música e ela mesma tinha dado aulas de canto. Lady Henrietta descobriu isso e tudo o mais a respeito de sua jovem nora que poderia ser considerado vergonhoso para seu novo status. Mas refreou seu desprezo e a recebeu com uma demonstração externa de cortesia e bondade magnânimas. Graham acreditava que, por causa dele, sua mãe estaria determinada a esquecer a origem inferior de sua esposa, e ficou tranquilo quanto ao relacionamento das duas ao ver sua mãe tratá-la com carinho uma ou duas vezes. Ele tinha certeza de que ninguém poderia conhecer Lilian e não amá-la. Ficou orgulhoso e feliz em pensar que duas mulheres tão belas eram suas.
“Esperava-se que baile do Lorde-Tenente fosse excepcionalmente brilhante naquele ano, e Graham estava ansioso para que sua esposa fosse a rainha da festa.
‘ Eu gostaria que ela usasse as antigas rendas e joias da família, mãe’, disse Graham.
“As sobrancelhas de Lady Henrietta se contraíram por um momento, e ela lançou um olhar furtivo para Lilian, que estava sentada perto deles, brincando com um galgo.
“Se Graham tivesse visto aquele olhar! Mas foi nas palavras dela que ele acreditou.
‘Certamente, meu filho. É muito apropriado que sua esposa use tão magníficas relíquias de família. Não há nenhuma mulher de categoria neste condado que possa igualá-los. Tenho orgulho de abdicar de meu direito em seu favor. ‘
‘Pronto, Lilian! Ouviu isso? Você vai eclipsar a própria Duquesa! ‘
‘Se é o que você quer’, disse Lilian. ‘Mas não acho que isso me divertiria tanto quanto dançar.’
*****
“Bailes, naquela época, começavam em uma hora razoável. As senhoras que iam a um baile no início de novembro, começavam a se vestir ainda à luz do dia.
“Lilian foi vestida por sua criada. Devido a um certo segredo sentimental entre ela e o marido, ela vestiu seu vestido de noiva de musselina indiana branca, em vez de uma rica anágua de seda de brocado, por baixo da grande túnica de renda. Os diamantes cintilavam alegremente em torno de sua cabeça e em seu pescoço e braços suavemente arredondados. Ela foi para a velha biblioteca, onde Graham estava sentado esperando as damas. Queria sua opinião sobre sua aparência. A lenda não conta o que ele disse, qualquer jovem marido pode imaginar.
‘ Vá até minha mãe para que ela veja como está linda. Vá na frente, assim vejo como está de costas.’ Então ela recebeu de sua mão um ramo de rosas que ele havia colhido, saiu do quarto na sua frente, e subiu a escada para o quarto da mãe dele. Ela estava no quarto de vestir.
‘Suba sozinha,’ disse Graham; – Vou ficar na escada para esperar as duas descerem. gostaria de ouvir o que ela diz, quando ela acha que não estou por perto; ela nunca elogia você perto de mim, suponho que por medo de aumentar minha adoração cega.
“Lilian sorriu para ele e desapareceu escada acima. Já começava a escurecer, e quando Graham se aproximou da escada, poucos minutos depois, para ouvir o que estavam conversando, a voz de sua mãe, em tom estranho e ansioso, chamou do andar de cima,
‘Traga-me uma vela!’
“Então Graham viu a velha serva de sua mãe correr rapidamente de seu assento perto da janela e acender uma vela comprida na penteadeira. Ela levou a vela para a patroa e encontrou Graham na escada em seu retorno. Ela agarrou o braço dele, e sussurrou, apavorada:
“ Não tire os olhos dela..”
“Ele não tirou e viu—”
—Pelo amor de Deus, Sr. Erle— interrompi—não me diga o que ele viu, pois eu vi a mesma cena terrível!
—Não tenho dúvidas de que viu, se diz; e pois eu mesmo vi.
Ficamos em silêncio por alguns momentos, e então perguntei se ele sabia de mais alguma coisa.
—Sim – o restante da história é bem conhecido por todos que vivem em um raio de vinte milhas. Graham Whinmore jurou não permanecer sob o mesmo teto que sua mãe depois de ter visto o cadáver carbonizado da esposa. Sua dor e ressentimento foram silenciosos e duradouros. Ele não ia deixar o cadáver em casa; antes da meia-noite o carregou para uma casa de veraneio no campo, onde fez vigília ao lado dele e não permitiu que ninguém se aproximasse, exceto a velha criada que figura nesta história. Ela trazia comida para ele e levava suas ordens para a casa. Desde o dia da morte de Lilian até o dia de seu enterro na cripta da família na Igreja de Whinmore, Graham guardou a casa de verão onde sua esposa estava deitada, com sua espada desembainhada enquanto caminhava à noite. Conta-se que ele não permitiu que as joias da família fossem tiradas do corpo e decidiu que iam ser enterradas com ele. Outros dizem que ele mesmo finalmente as tirou do corpo e enterrou no meio do mato, para que os coveiros, tentados pela visão das joias no cadáver, não profanassem o túmulo depois para roubá-las. Esta opinião é apoiada pelo fato de que um trecho dos arbustos é assombrado pela aparição de Graham Whinmore, em trajes de luto, e com uma espada desembainhada na mão.
—O senhor me aconselharia a instituir uma busca por essas joias antigas?— perguntei sorrindo.
—Aconselharia.— disse ele.—Mas não confie em ninguém, Tom Whinmore. Será motivo de chacota se fracassar. E se as encontrar, e levá-las embora— ”
—O que eu certamente deveria fazer,— interrompi.
—Isso levantará um clamor popular. As pessoas supersticiosas vão acreditar que ultrajou o fantasma de seu bisavô, e que ela ficará inquieto por isso.
Eu vi a prudência dessa observação; combinamos entre nós que deveríamos fazer todas as escavações nós mesmos, sem que ninguém mais soubesse. Então perguntei como eu poderia ser descendente desse infeliz cavalheiro.
A história do Sr. Erle continuou assim: –
—Depois do funeral de sua esposa, Graham Whinmore não voltou mais para a mansão. Foi para o sul, e nunca mais veio aqui, nem mesmo para visitar a mãe em seu leito de morte, um ano depois. Alguns anos depois, ele se casou novamente e teve filhos e filhas. Deixou a casa e as terras para uma filha solteira, Jane Whinmore, que era chamada de ‘Leddy Jane’ por nossos vizinhos. Ele não se importava em mantê-las na família, e ela poderia deixar tudo para um estranho ou vender, se quisesse. Era apenas uma pequena parte das propriedades de Graham Whinmore, como deve saber. Ela, no entanto – esta ‘Leddy Jane’ – gostou muito do antigo lugar. Diz-se que ela viveu em paz com o fantasma de sua avó, e ainda mais afetuosamente com o espírito da primeira esposa de seu pai. Ela não ouviu nada sobre as joias enterradas e não viu nada do fantasma de seu pai durante a vida dele. Essa parte da história não veio à tona até depois da morte de Graham Whinmore; quando a própria ‘Leddy Jane’ se assustou uma noite no meio dos arbustos, ao encontrar a aparição do pai. Diz-se que ela deixou sua propriedade para o filho mais novo de seu sobrinho mais novo, em obediência às instruções que ele lhe deu naquele encontro.
—Então, embora ainda não tivesse nascido na época, eu posso me considerar senhor de Whinmore Hall, pela vontade de meu bisavô!—exclamei
—Exatamente. Acho que é uma indicação de que o poder fantasmagórico vai enfraquecer agora que você é o dono. O último ano da vida da perversa lady Henrietta foi muito lamentável, como pode supor. Os pecados obsessivos que ela acarinhava trouxeram suas consequências – e seu maior crime foi vingado sem o rigor da lei. Diz-se que todas as noites ao pôr do sol o espectro de sua nora assassinada aparecia diante dela, usando o rico vestido que era tão caro àquela mulher orgulhosa; e que a cada vez ela era obrigada a repetir seu ato cruel, e ouvir os gritos e maldições com que seu filho adorado se despedira dela. Todos os empregados abandonaram a mansão apavorados; e ninguém vivia com a malvada dama, exceto velha e fiel criada, Margaret Thirlston, que ficou com ela até o fim, e a seguiu até o túmulo, pois morreu logo depois dela.
“Quando se mudou para cá, Jane Whinmore procurou o filho de Margaret e a esposa dele. Ela deu-lhes uma casa e tudo o que queriam para que trabalhassem como governanta e administrador das terras da propriedade. E com a morte de Giles Thirlston, seu filho Ralph tornou-se administrador em seu lugar. Ele trabalhou lá até a morte de ‘Leddy ‘, quando abriu a pequena pousada à beira da estrada pela qual você passou, que ele chama de ‘ O Presente de Leddy Jane ‘. ”
*****
Não há muito mais o que contar. O Sr. Erle e eu procuramos o tesouro escondido por muito tempo. Nós o encontramos depois de ler uma carta escondida na escrivaninha, endereçada ao ‘filho mais novo do meu sobrinho mais novo’. Nessa carta havia instruções para recuperar as joias escondidas da família. Elas estavam enterradas fora da cerca do jardim, na charneca, no mesmo local onde posso jurar que vi a figura de um homem com uma espada – meu bisavô, Graham Whinmore.
Depois que me casei, viemos morar no sul; e tomei todos os cuidados para manter minha pequena propriedade de Whinmore. Para minha tristeza, a mansão nunca encontrou um inquilino, e ainda está sem inquilino mesmo após esses vinte e cinco anos.
Algum leitor de Once a Week me faria uma oferta? Prometo que não cobrarei caro.
…………….
Notas da tradutora:
“Lorde-Tenente” (Lord-Lieutenent) é um representante da coroa britânica que atua em condados e pequenas jurisdições. Normalmente é um membro mais antigo da comunidade ou um militar veterano. Não tem função administrativa, sendo responsável apenas pela promulgação de ordenanças locais em nome do monarca.
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