Imagem de Capa: Laura Adai
O conto “The Ash-tree” foi publicado pela primeira vez em 1904 na Coletânea “Ghost Stories of an Antiquary” (Histórias de Fantasma de um Antiquário). A história foi adaptada pela BBC como parte do especial anual “A ghost story for Christmas” (Uma história de fantasma para o Natal) e foi ao ar em 23 de Dezembro de 1975.
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Quem viaja pelo Leste da Inglaterra sabe que a região tem inúmeras casinhas de campo, construções úmidas e acanhadas, geralmente em estilo italiano, cercadas por terrenos de cerca de oitenta a cem acres. Sempre senti uma forte atração por elas, por suas cercas cinzentas de toras de carvalho, suas árvores nobres, os lagos cercados de juncos e os bosques distantes. Gosto dos pórticos com colunas, casas ao estilo da rainha Anne, com tijolos vermelhos e fachada coberta de reboco para contemplar aquele gosto pelo “grego” que era comum no fim do século XVIII, e por dentro também, os corredores até o teto, aposentos que sempre têm uma galeria e um pequeno orgão. Também me agrada a ideia de uma casa com uma boa biblioteca, na qual e se possa encontrar qualquer coisa, desde um livro de Salmos do século XIII até uma seleção de Shakespeare. Gosto de quadros também, é claro; e talvez, mais que tudo isso, eu goste de imaginar como era a vida em uma dessas casas na época em que foram construídas, nos tempos tranquilos dos prósperos senhores de terra, ou em anos mais recentes, pois por mais que não que haja mais tanta riqueza, ainda há uma variedade de gosto e uma vida interessante. Gostaria de ter uma casa assim e dinheiro suficiente para mantê-la e receber modestamente meus amigos.
Mas estou saindo do assunto. Devo contar-lhes uma curiosa série de eventos que aconteceram em uma destas casas que acabo descrever. Trata-se da mansão Castringham Hall em Suffolk. Acho que o prédio passou por muitas mudanças desde o período em que se passa minha história, mas as características essenciais que esbocei ainda estão lá -o pórtico italiano, a estrutura da casa branca e quadrada, mais velha por dentro do que por fora, cercada por um terreno ladeado por bosques e um lago. A única característica que distinguia aquela dentre dezenas de outras casas já não existe mais: olhando do gramado, era possível ver grande e velho freixo à sua direita. Ele ficava uma meia dúzia de metros da parede, mas seus galhos quase tocavam a casa. Suponho que cresceu ali desde que Castringham deixara de ser um lugar fortificado, desde que o fosso fora aterrado e a residência elisabetana construída. De qualquer forma, ele atingiu um tamanho próximo de suas dimensões maduras no ano de 1690.
Naquele ano, o distrito no qual Castringham Hall estava situada foi palco de uma série de julgamentos de bruxas. Em minha opinião, ainda vai demorar muito para que se descubra o quanto de indícios sólidos, se é que havia algum, justificariam o medo das bruxas que era tão universal nestes tempos antigos. Se as pessoas acusadas deste delito realmente acreditavam que estavam possuídas por algum tipo de poder incomum ou se tinham a vontade, pelo menos, se não o poder, de fazer mal aos seus vizinhos; ou se todas as confissões, das quais há tantas, foram extorquidas pela mera crueldade dos caçadores de bruxas. Estas são perguntas que não foram ainda, imagino eu, respondidas. A narrativa que lhes apresento me causa alguma desconfiança. Mas não posso desconsiderá-la, tomando-a como mera invenção. O leitor deve julgar por si mesmo.
Castringham contribuiu com uma vítima para o auto-da-fé. Chamava-se Sra. Mothersole. A única diferença entre ela e as bruxas comuns da aldeia era sua fortuna e sua posição de influência. Vários donos de terra respeitáveis da paróquia tentaram salvá-la. Eles tentaram testemunhar favoravelmente sobre seu caráter, e mostraram considerável preocupação quanto ao veredito do júri.
Mas o que parece ter selado o destino da mulher foi o testemunho do então proprietário de Castringham Hall – Sir Matthew Fell. Ele depôs tê-la visto de sua janela em três ocasiões diferentes, durante lua cheia, “juntando galhos do freixo que fica perto de minha casa.” Ela subia nos galhos usando apenas uma camisola, cortava pequenos galhos com uma faca peculiarmente curvada, e enquanto fazia isso parecia estar falando sozinha. Em cada ocasião Sir Matthew tinha tentado parar a mulher, mas todas as vezes em que se aproximou ela foi alertada por algum barulho que ele fizera sem querer, e ao chegar ao jardim, tudo tudo o que ele via era uma lebre fugindo pelo caminho que ia na direção da aldeia.
Na terceira noite, ele tentou seguir a lebre o mais rápido que pode, e foi parar direto na casa da Sra. Mothersole. Bateu na porta por mais de um quarto de hora até que ela saiu, muito irritada e aparentemente sonolenta, como se tivesse acabado de sair da cama; e ele, é claro, não tinha uma boa justificativa para sua visita.
Embora houvesse outras evidências menos estranhas ou marcantes apresentadas por outros paroquianos, foi este depoimento que levou a Sra. Mothersole a ser considerada culpada e condenada à morte. Ela foi enforcada uma semana após o julgamento, com mais cinco ou seis outras infelizes, em Bury St. Edmunds.
Sir Matthew Fell, que era vice xerife na época, assistiu a execução. Era uma manhã úmida e chuvosa de março quando a carroça subiu a colina de grama áspera nos arredores de Northgate, onde a forca estava montada. As outras vítimas pareciam apáticas ou destruídas por sua desdita; mas a Sra. Mothersole, em vida assim como na morte, tinha um temperamento muito diferente. Sua “raiva venenosa”, descreve um cronista da época, “impactou tanto os espectadores — sim, até mesmo o Carrasco — que todos que a viram afirmaram repetidamente que ela apresentava o aspecto vivo de um demônio enlouquecido. No entanto, ela não ofereceu qualquer resistência aos oficiais da lei; a única vez que olhou para aqueles que a seguravam, sua aparência era tão terrível e perversa que um deles deles me confessou depois que a mera lembrança dela ainda o assombrava meses depois.”
No entanto, tudo o que ela disse foram palavras aparentemente sem sentido: “Haverá hóspedes na mansão.” Ela as repetiu várias vezes, em um murmúrio.
Sir Matthew Fell não ficou impressionado com as ações da mulher. Ele conversou sobre o assunto com o vigário de sua paróquia, com quem viajou para casa depois do fim do inquérito. Seu depoimento durante o julgamento não tinha sido prestado muito voluntariamente, e ele não estava especialmente infectado pela febre de ver bruxas em todo lugar. No entanto, como declarou então e depois, não poderia ter feito um relato diferente daquele que fizera, e não havia possibilidade de ter se enganado em relação ao que vira. Todo o processo tinha sido repugnante para ele, pois era um homem que gostava de viver em harmonia com seus vizinhos; mas encarou o assunto como um um dever a ser cumprido, e foi o que fez. Esta parece ter sido a essência de seus sentimentos, e o Vigário o aplaudiu, como qualquer homem razoável teria feito.
Algumas semanas depois, quando a lua de Maio estava cheia, Vigário e cavalheiro se encontraram novamente no jardim, e caminharam para a mansão juntos. Lady Fell estava com sua mãe, que se encontrava gravemente doente, por isso Sir Matthew estava sozinho em casa; então o vigário, o Sr. Crome, foi facilmente persuadido a ficar até mais tarde e jantar na mansão.
Sir Matthew não era uma companhia muito alegre naquela noite. A conversa foi principalmente sobre assuntos familiares e paroquiais. Por acaso, Sir Mathew havia escrito um documento com certos desejos ou intenções que tinha em relação às suas propriedades, que depois se mostraram extremamente úteis.
Quando o Sr. Crome resolveu voltar para casa, por volta das nove e meia, Sir Matthew o levou para dar uma volta pelo no caminho de cascalho que ficava atrás da casa. Um único incidente que chamou a atenção do Sr. Crome foi este: os dois estavam perto do freixo que, como descrevi, chegava perto das janelas do edifício, quando Sir Matthew parou e disse:
—O que é aquilo subindo e descendo pelo tronco do freixo? Será um esquilo? Eles já deviam estar em suas tocas uma hora dessas.
O vigário olhou e viu a criatura em movimento, mas não conseguiu distinguir sua cor sob a luz do luar. O contorno nítido, porém, vislumbrado por apenas um instante, ficou gravado em seu cérebro, e ele poderia jurar, embora parecesse uma tolice, que, esquilo ou não, aquilo tinha mais de quatro patas.
Ainda assim, não havia muito o que fazer a respeito da visão momentânea, e os dois homens se despediram. Talvez tenham chegado a se encontrar novamente desde então, mas foi só depois de anos.
No dia seguinte, Sir Matthew Fell não desceu as escadas às seis da manhã, como era de seu costume. Nem às sete, nem às oito. Então, os criados foram bater na porta de seu quarto. Não preciso alongar-me na descrição da ansiedade deles ao tentar ouvir algum som e de suas repetidas batidas nos painéis de madeira. A porta foi finalmente aberta, mas pelo lado de fora, e eles encontraram seu mestre morto e escurecido. Isso o leitor já deve ter adivinhado. Nenhuma marca de violência era visível naquele momento; mas a janela estava aberta.
Um dos homens foi buscar o pároco e então, seguindo suas instruções, correu para avisar o legista. O próprio Sr. Crome foi o mais rápido que pôde até a mansão, e ali foi conduzido ao aposento onde o morto jazia. Ele deixou algumas anotações entre seus papéis que mostram seu genuíno respeito e a tristeza que sentiu por Sir Matthew, e entre elas há também esta passagem, que transcrevo aqui pois lança alguma luz sobre o curso dos eventos, e sobre as crenças comuns da época:
“Não havia o menor vestígio de entrada forçada no quarto mas as venezianas estavam abertas, como meu pobre amigo tinha o costume de deixar durante esta época do ano. Naquela noite, ele tinha preparado sua bebida noturna, uma pequena cerveja servida em uma caneca de prata, mas ainda não havia bebido. A bebida foi examinada por um médico de Bury, um certo Sr. Hodgkins, mas, conforme declarou posteriormente sob juramento durante a investigação conduzida pelo legista, ele não descobriu nela qualquer substância venenosa. Pois, como era de se esperar, devido ao inchaço e a cor escura do cadáver, todos os vizinhos falavam sobre a possibilidade de envenenamento. O corpo estava em péssimo estado quando foi deitado na cama, retorcido de uma forma tão extrema que o fato gerou conjecturas muito prováveis de que meu digno amigo e patrono tenha morrido em grande dor e agonia. E o ainda há algo inexplicável e que, em minha opinião representa um argumento em favor da possibilidade de algum horrível e elaborado plano por parte dos perpetradores deste horrendo assassinato. As mulheres às quais foram confiados os cuidados e a limpeza do cadáver, mulheres que exercem uma profissão triste mas muito respeitável, vieram a mim com grande dor e angústia tanto mental quanto física. Disseram, o que de fato foi confirmado à primeira vista, que ao tocar o peito do cadáver, sentiram uma dor incomum nas palmas de suas mãos, e que logo seus antebraços incharam desmedidamente e continuaram a doer por muitas semanas, durante as quais foram forçadas a evitar o exercício de seu trabalho. No entanto, nenhuma marca apareceu em sua pele.
“Ao ouvir isso, mandei chamar o médico, que ainda estava na casa, e fizemos um exame, com todo o cuidado possível, com a ajuda de uma pequena lente de aumento feita de de cristal, da condição da pele na parte do corpo mencionada. Mas não pudemos detectar com o instrumento que tínhamos qualquer questão de importância além de alguns pequenos furos ou picadas, que então concluímos serem os pontos pelos quais o veneno poderia ter sido introduzido, lembrando daquele anel do Papa Brgia, e de outros espécimes conhecidos da horripilante arte dos envenenadores italianos da última era.
“É tudo que pode ser dito sobre os sintomas observados no cadáver. Quanto ao que posso acrescentar, é apenas meu próprio experimento, e deixarei para a posteridade julgar se há algo de valor nele. Havia sobre a mesa ao lado da cama uma pequena Bíblia, da qual meu amigo – pontual nos assuntos de menor importância tanto quanto neste, mais sério- lia uma passagem todas as noites, e também assim que levantava. Ao pegá-la – não sem as lágrimas que lhe eram devidas, a ele que do estudo deste esboço mais pobre tinha agora passado para a contemplação de sua grande origem – ocorreu-me, pois em momentos de desamparo estamos mais propensos a ver pelo menos um vislumbre que faça promessa de luz, testar aquela velha e por muitos considerada supersticiosa prática de sortear uma passagem, a exemplo do famoso caso de sua falecida Sagrada Majestade o Abençoado Rei Mártir Carlos e meu Senhor Falkland. Devo admitir que não me foi concedida muita assistência em meu experimento: ainda, como a causa e origem desses eventos terríveis podem ser pesquisados daqui em diante, anuncio os resultados, caso se descubra que eles apontam o verdadeiro sentido daquele desastre para alguma inteligência mais rápida do que a minha.
‘Fiz, então, três tentativas, abrindo o Livro e colocando meu dedo sobre certas passagens, o que resultou nestas palavras: de Lucas 13:07, ‘Corte-a’ ; na segunda: Isaías 13:20, ‘Nunca mais será habitada’ ; e no terceiro experimento, Jó 39:30, ‘E seus filhos chupam o sangue. ‘ ”
Isso é tudo o que posso citar das anotações do Sr. Crome. Sir Matthew Fell foi devidamente velado e enterrado, e seu sermão fúnebre, pregado pelo Sr. Crome no domingo seguinte, foi impresso com o título de ‘O Caminho Inescrutável; ou, O Perigo da Inglaterra e as Negociações Maliciosas do Anticristo. ‘ sendo a opinião do Vigário, bem como a opinião comum na vizinhança, de que o cavalheiro fora vítima de um recrudescimento da Conspiração Papista*.
Seu filho, Sir Matthew, o segundo, herdou seus títulos e propriedades. E assim termina o primeiro ato da tragédia de Castringham Hall. Deve-se mencionar, embora o fato não seja surpreendente, que o novo Baronete não ocupou o quarto no qual seu pai havia morrido. De fato, por todo o tempo em que a casa foi ocupada, ninguém mais dormiu naquele quarto exceto por algum visitante ocasional. O filho morreu em 1735, e não creio que nada em particular tenha marcado seu domínio, exceto uma mortalidade curiosamente constante entre seu gado e animais em geral, que mostrou tendência a aumentar ligeiramente com o passar do tempo.
Os interessados nos detalhes encontrarão um relato estatístico em uma carta à Gentleman’s Magazine de 1772, que extrai os fatos dos próprios documentos do Baronete. Ele finalmente pôs fim a isso com um expediente muito simples, o de encerrar todos os seus animais em galpões à noite e não deixar nenhuma ovelha solta em suas terras. Fez isso ao notar que nenhum animal era atacado se passasse a noite do lado de dentro. Depois disso, a mortalidade se limitou a pássaros e animais selvagens. Mas como não temos um bom relato dos sintomas, e vigiar os animais a noite toda não forneceu nenhuma resposta, não me detenho no que os fazendeiros de Suffolk chamaram de ‘doença de Castringham’.
O segundo Sir Matthew morreu em 1735, como disse, e foi devidamente sucedido por seu filho, Sir Richard. Foi nessa época que o grande banco da família foi construído no lado norte da igreja paroquial. Tão grandes eram os planos do cavalheiro que várias das sepulturas do lado não sacramentado do edifício tiveram que ser movidas para satisfazer suas necessidades. Entre eles estava a da Sra. Mothersole, cuja localização era conhecida com precisão, graças a uma anotação na planta da igreja e do pátio, feita pelo Sr. Crome.
Um certo interesse surgiu na aldeia quando correu a notícia de que a famosa bruxa, que poucos ainda lembravam de ter visto em vida, seria exumada. E o sentimento de surpresa, e de fato até de inquietação, foi muito forte quando se descobriu que, embora seu caixão estivesse razoavelmente sólido e intacto, não havia nenhum vestígio de corpo, ossos nem poeira dentro dele. Na verdade, é um fenômeno curioso, pois no momento de seu sepultamento ninguém sonhava com a existência de ladrões de cadáver, e é difícil conceber qualquer motivo racional para se roubar um corpo a não ser para o uso da sala de dissecação.
Por um tempo, o incidente reviveu todas as histórias de julgamentos e s feitos das bruxas, histórias que tinham ficado adormecidas por quarenta anos. A ordem de Sir Richard para que o caixão fosse queimado foi consideradas por muitos como um tanto temerária, mas devidamente executadas.
Sir Richard foi um inovador, por certo. Antes de sua época, a mansão era um belo bloco do mais suave tijolo vermelho; mas Sir Richard viajou para a Itália onde foi contagiado pelo gosto italiano e, como tinha mais dinheiro que seus predecessores, decidiu deixar um palácio italiano no lugar da casa inglesa que havia herdado. Então estuque e pedra polida cobriram o tijolo; alguns plácidos mármores romanos foram colocados no hall de entrada e nos jardins; uma reprodução do templo de Sibila em Tivoli foi erguida na margem oposta do lago. A mansão de Castringham ganhou um aspecto inteiramente novo, e, devo dizer, menos interessante. Mas a construção foi muito admirada, e serviu de modelo para muitos dos nobres vizinhos nos anos subsequentes.
Uma manhã, (foi em 1754) Sir Richard acordou após uma noite desconfortável. Estava ventando, e sua chaminé fumaçava persistentemente, mas estava tão frio que ele teve que acender o fogo. Alguma coisa sacudiu tanto a janela que tinha sido impossível ter um momento de paz. Ele receberia diversos convidados de alta posição que chegariam ao longo do dia, e esperavam participar de uma caçada. O avanço da doença que continuava se transmitindo entre os animais selvagens tinha ficado tão grave que ele começava a temer por sua reputação de preservador das áreas de caça. Mas o que realmente o incomodou foi a noite passada em claro. Ele não conseguiria dormir em seu quarto novamente, isso era certo.
Ficou pensando nisso durante o café da manhã, e depois começou um exame sistemático dos aposentos, para ver qual seria o melhor. Demorou para achar um. Este tinha uma janela que dava para o leste, naquele a janela dava pra o norte, o seguinte ficava em uma parte da casa pelo qual os criados passavam constantemente, no próximo ele não gostava da cama. Não, ele queria um quarto voltado para o Oeste, para que o sol não o acordasse cedo demais, e tinha que ficar longe da movimentação da casa. A governanta já não sabia o que fazer.
—Bem, Sir Richard—ela disse—só há um quarto assim nesta casa.
—E qual seria?— perguntou ele.
—O quarto de Sir Matthew, a câmara oeste.
—Então, mude minhas coisas pois é lá que vou dormir esta noite. Aonde fica?
—Por ali.— e ele foi com pressa na direção que ela apontou.
—Oh, Sir Richard, ninguém dorme neste quarto há anos! Nem o ar mudou desde que Sir Matthew morreu lá dentro.—ela argumentou, correndo atrás dele.
—Venha, abra a porta, Sra Chiddock. Finalmente verei este quarto.
Então a câmara foi aberta, e de fato cheirava a terra e a guardado. Sir Richard foi até a janela e, impaciente como era de seu feitio, abriu as cortinas e escancarou as venezianas. Aquele lado da casa mal tinha sido tocado pelas alterações, e ficava escondido atrás do grande freixo que crescera o bastante para cobri-lo.
—Areje o quarto, Sra. Chiddock hoje ainda, e mande trazer meus móveis à tarde. Instale o Bispo de Kilmore em meu antigo quarto.
—Por favor, Sir Richard,—uma nova voz interrompeu a conversa—poderia me conceder a gentileza de ter uma palavra com o senhor?
Sir Richard voltou-se e viu um homem de preto na porta, que fez uma reverência.
—Devo pedir que perdoe a intrusão, Sir Richard. Dificilmente se lembrará de mim. Meu nome é William Crome, e meu avô era vigário por aqui no tempo do seu avô.
—Bem, senhor—disse Sir Richard — o sobrenome Crome é sempre um passaporte de entrada para Castringham. Será um prazer renovar uma amizade de duas gerações. Em que posso servi-lo? Vejo que, pela hora em que chega e, se não me engano, sua postura, que está com alguma pressa.
—Esta é a mais pura verdade, senhor. Vim cavalgando de Norwich para Bury St. Edmunds com toda a velocidade que pude, e parei em meu caminho para entregar-lhe alguns papéis que acabamos de encontrar ao examinar o que meu avô deixou quando morreu. Pode ser que encontre neles alguns assuntos de interesse familiar.
— É muito amável de sua parte, Sr. Crome, e, se fizer a gentileza de me seguir até o salão e aceitar uma taça de vinho, daremos uma olhada nesses documentos juntos. E quanto à senhora, Sra. Chiddock, como eu pedi, areje este quarto. Sim, foi aqui que meu avô morreu, e sim, a árvore, talvez, deixe o lugar um pouco úmido, mas não e não. Não quero ouvir mais nada. Não dificulte as coisas, eu imploro. Já tem suas ordens, agora vá. Siga-me, por favor, senhor.
Os dois foram até o escritório. O jovem Sr. Crome acabara de tornar-se membro do corpo docente de Clare Hall em Cambridge, e porteriormente apresentou uma edição respeitável de Polineus. O pacote tinha trazido continha, entre outras coisas, as anotações que o antigo vigário tinha feito por ocasião da morte de Sir Matthew Fell. E pela primeira vez, Sir Richard foi confrontado com a enigmática Sorte Biblica que o leitor já conhece. Ele a achou bastante divertida.
—Bem— disse ele—a Bíblia de meu avô deu um conselho prudente: “Corte-a”. Isso significa o freixo. Ele pode descansar em paz na certeza que eu não vou negligenciar tal conselho. Nunca vi um ninho de doenças e parasitas como aquela árvore.
O escritório continha os livros da família, que não eram muitos, aos menos enquanto não chegasse a coleção que Sir Richard encomendara na Itália e fosse terminada a construção de uma biblioteca adequada para recebê-los.
Sir Richard ergueu os olhos do papel e voltou-os para a estante de livros.
—Eu me pergunto—disse —se o velho profeta já está aí? Acho que o vejo.
Atravessando a sala, ele tirou da estante uma Bíblia atarracada, que, tinha na folha de rosto a inscrição: ‘Para Matthew Fell, de sua amorosa madrinha, Anne Aldous, 2 de setembro de 1659.’
—Não seria um plano ruim testá-la novamente, sr. Crome. Aposto que temos alguns conselhos nas Crônicas. Hum! o que temos aqui? “Tu me procurarás pela manhã, e eu não estarei. ” Muito bem, muito bem. Seu avô teria considerado isso um bom presságio, hein? Já chega de profetas para mim! São todos histórias. E agora, Sr. Crome, estou infinitamente grato ao senhor por trazer este pacote. Deve estar, temo eu, impaciente para seguir seu caminho. Mas, por favor, permita-me, mais uma taça?
Assim, com ofertas de hospitalidade, genuinamente intencionadas, pois Sir Richard gostou muito dos modos do jovem Crome, os dois se despediram.
À tarde chegaram os convidados, o Bispo de Kilmore, Lady Mary Hervey, Sir William Kentfield, etc. Jantar às cinco, vinho, carteado, ceia e ida para a cama.
Na manhã seguinte, Sir Richard não estava inclinado a pegar sua arma e sair junto com os demais. Prefere ficar paraconversar com o bispo de Kilmore. Este prelado, ao contrário de muitos bispos irlandeses de sua época, havia visitado sua sé e, de fato, residido lá por um tempo considerável. Naquela manhã, enquanto os dois passeavam no terraço, conversando sobre as alterações e melhoramentos da casa, o Bispo disse, apontando para a janela da câmara Oeste:
—Seria impossível convencer um membro de minha congregação na Irlanda a ocupar aquele quarto. Sir Richard.
—Por quê, meu senhor? Aquele quarto é meu, aliás.
—Bem, nossos camponeses irlandeses acreditam que traz má sorte dormir perto de um freixo, e o senhor tem um bem grande a menos de dois metros da janela do quarto. Talvez—prosseguiu o Bispo, com um sorriso—ele já tenha lhe dado uma amostra de suas propriedades, pois, se me permite dizer, o senhor não parece tão descansado depois de uma noite de sono quanto seus amigos gostariam de vê-lo.
—Isso, ou outra coisa, é verdade, me tirou o sono entre meia-noite e quatro horas, meu senhor. Mas a árvore será tirada amanhã, então eu não vou ter que preocupar com ela.
—Eu aplaudo sua decisão. Não é nada saudável ter o ar que respira comprometido, por assim dizer, por toda aquela folhagem.
—Sua senhoria está certo, eu acho. Mas minha janela não estava aberta ontem à noite. Foi, na verdade um barulho que não parava o que me manteve de olhos abertos. Sem dúvida, os galhos batendo no vidro.
—Acho improvável, Sir Richard. Aqui, olhe deste ângulo. Nenhum dos ramos mais próximos chega a tocar em sua janela, a menos que houvesse um vendaval, e não havia nem vento ontem à noite. Os galhos estão a uma distância de um pé da janela.
—Ora, senhor, é verdade. Me pergunto o que terá sido, então, que bateu e mexeu na minha janela e, ah, cobriu meu peitoril de marcas e arranhões?
Enfim, concordaram que os ratos deviam ter subido pela hera. Foi uma sugestão do bispo, mas Sir Richard agarrou-se à ideia.
Assim, o dia passou tranquilo, a noite chegou, e o grupo se dispersou para seus aposentos, todos desejando uma noite melhor a Sir Richard.
E agora estamos no quarto dele, com a luz acesa e o cavalheiro em sua cama. O quarto fica acima da cozinha, e a noite lá fora ainda está quente, por isso a janela está aberta.
Há muito pouca luz sobre o leito, mas há um movimento estranho ali; parece que Sir Richard mexe a cabeça rapidamente para lá e para cá, com um som bem baixo. Tão enganadora é a meia-escuridão, que poderia até parecer que ele tem várias cabeças, redondas e marrons, que se movem para trás e para frente, abaixando até chegar a altura de seu peito. É uma ilusão horrível. Seria só isso? Veja! Algo pula da cama com um som macio, como um gatinho, e foge pela janela em um flash; outro, e outro, quatro, no total. Depois, silêncio novamente.
“Tu me procurarás pela manhã, e eu não estarei. “
Como fora com Sir Matthew, assim Sir Richard é encontrado- morto e enegrecido em sua cama!
O grupo pálido e silencioso de convidados e criados se reuniu sob a janela quando a notícia foi anunciada. Envenenadores italianos, emissários papistas, ar infectado — todas essas teorias e muitas outras foram sugeridas. O Bispo de Kilmore olhou para a árvore, e na junção dos galhos inferiores viu um gato branco agachado, olhando para o oco que os anos tinham roído no tronco. Ele observava algo dentro da árvore com grande interesse.
De repente, levantou-se e se esticou sobre o buraco. Em seguida, um pedaço da borda em que ele se apoiava cedeu e o gato caiu lá dentro. Todos olharam para cima com o barulho da queda.
A maioria de nós sabe que um gato pode chorar; mas poucos de nós ouviram, ao menos espero, um um gato dar um berro como o que saiu do tronco do grande freixo. Ouviram-se dois ou três gritos – as testemunhas não sabem ao certo – e então um ruído leve e abafado de alguma comoção ou luta. Lady Mary Hervey desmaiou imediatamente, e a governanta tapou os ouvidos e correu até cair no terraço.
O bispo de Kilmore e Sir William Kentfield ficaram. No entanto, até eles estavam assustados, embora fosse apenas os berros de um gato; e Sir William engoliu em seco uma ou duas vezes antes de dizer:
—Há algo mais do que sabemos naquela árvore, meu senhor. Sou em favor de fazer uma busca imediata.
E assim foi feito. Uma escada foi trazida e um dos jardineiros subiu mas, olhando para baixo, não conseguiu detectar nada além de alguns indícios de algo se movendo. Pegaram uma lamparina e a baixaram com a ajuda de uma corda.
—Precisamos desvendar isso. Juro por minha vida, meu senhor, que o segredo dessas mortes terríveis está aí.
O jardineiro voltou a subir com a lamparina e baixou-a cuidadosamente pelo buraco. Eles viram a luz amarela refletir em seu rosto quando ele se curvou, e viram sua expressão de terror incrédulo e nojo antes de gritar com uma voz terrível e cair da escada – felizmente, foi amparado por dois dos homens – deixando a lamparina cair dentro da árvore.
Ele desmaiou e demorou algum tempo antes que pudesse falar qualquer coisa. A essa altura, eles tinham outra coisa para investigar. A lamparina devia ter se quebrado no fundo, e seu fogo se espalhado pela folhas secas e a sujeira que estava acumulada ali dentro, pois em poucos minutos uma densa fumaça começou a subir e depois subiram as chamas. Para resumir, a árvore estava pegando fogo.
Os espectadores formaram um círculo a alguns metros de distância, e Sir William e o bispo enviaram homens para pegar todas as armas e ferramentas que pudessem; pois, claramente, o que quer estivesse usando a árvore como seu esconderijo seria expulso pelas chamas.
E foi o que aconteceu. Primeiro, na bifurcação dos galhos, eles viram um corpo redondo do tamanho da cabeça de um homem aparecer de repente, coberto de chamas e cair para trás. Isso se repetiu cinco ou seis vezes até que uma bola semelhante saltou no ar e caiu na grama, onde, depois de um momento ficou imóvel. O bispo chegou o mais perto que sua coragem lhe permitiu e viu, o que mais, senão os restos de uma enorme aranha venosa, queimada! E, à medida que o fogo queimava até o fundo do oco da árvore, mais corpos terríveis como aquele começaram a sair do tronco, e era possível ver que estavam cobertos de pelos acinzentados.
Durante todo aquele dia, o freixo ardeu e até se despedaçar sob o olhar dos os homens que o rodeavam e, aqui e ali, terminavam de matar os monstros que ele cuspia. Por fim, quando nada mais saiu da árvore por algum tempo, eles se aproximaram cautelosamente para examinar as raízes.
Embaixo dele, segundo o relato do Bispo de Kilmore, encontraram um oco arredondado na terra, onde jaziam dois ou três corpos dessas criaturas que haviam sido claramente sufocadas pela fumaça. E o que me é mais curioso, ao lado dessa toca, encostada na lateral, estava agachada a forma ou esqueleto de um ser humano, com a pele ressecada sobre os ossos, com alguns tufos de cabelos negros. Segundo aqueles que o examinaram, era indubitavelmente o corpo de uma mulher morta já havia mais de cinquenta anos.
Notas da Tradutora:
*Conspiração Papista: A chamada “Conspiração Papista” (“Popish Plot”) foi uma teoria da conspiração inventada pelo clérigo inglês Titus Oates, que provocou uma onda de histeria anticatólica na Inglaterra e na Escócia entre 1678 e 1681. Oates fabricou a ideia de uma conspiração católica para assassinar o rei Carlos II, o que levou à várias prisões e à execução de diversas pessoas inocente, incluindo o arcebispo católico de Armagh, Oliver Plunkett . Oates chegou até a acusar o irmão do rei, o católico James, Duque de York (que viria a se tornar James II, o último rei católico da Inglaterra, Escócia e Irlanda), de participar da conspiração. A opinião pública eventualmente se voltou contra ele, e Oats foi julgado e preso várias vezes, mas nunca deixou de afirmar a veracidade da suposta conspiração.